sexta-feira, 26 de abril de 2024

Idílio do Infinito - 26.08.2016


Ele possuía a conta número 0001 do Banco do Brasil em Santarém. Preparava tabuletas no tempo do cinema mudo. Foi redator de jornais da cidade. Compôs hino em homenagem ao movimento integralista de Plínio Salgado.

Estou falando do maestro Wilson Fonseca, considerado por Frei Feliciano um dos maiores compositores sacros do Brasil e que de vez em quando contava uma piada de salão. Mas o que me admirou foi ficar sabendo que, uma vez ou outra, jogava futebol nas areias ao lado do velho Trapiche Municipal. Devia ser goleiro!

Com o maestro Isoca, apelido que Wilson Fonseca ganhou de sua mãe quando ainda criança, o Instituto Cultural Boanerges Sena realizou em 1989 a quinta entrevista para o Projeto Memória Santarena, que em 2012 transcrevemos para compor o livro “Isoca: Idílio do infinito”

Nossa conversa teve início no dia 31 de julho de 1989, no pátio do Grupo Escolar Frei Ambrósio, dela participaram, além do maestro, seu compadre Emir Bemerguy e o filho Vicente Fonseca. E só foi terminar no outro dia, na sede campestre da AABB. Ficamos conhecendo detalhes de sua vida familiar, musical, profissional e da sua ativa participação no cotidiano da cidade. 

Na noite do dia 8 de março de 1990, continuamos nosso trabalho com o maestro. Foi entrevistado em sua residência, mais precisamente na sala onde ficava o piano, para conhecermos pormenores da sua caminhada musical em Santarém. Passamos hora e meia a ouvir, Emir e eu, através da sua principal forma de expressão, a música, as narrativas da sua trajetória pianística iniciada em Santarém em 1920, aos sete anos, com a valsa “Canção do pierrô”. Aos 78 anos, maestro Isoca mantinha impressionante agilidade e excelente execução na arte de tocar piano.

 No mês de abril de 1991, em sessão solene, os vereadores santarenos homenagearam o poeta, dramaturgo, filólogo, e compositor Felisbelo Jaguar Sussuarana, em comemoração ao seu centenário de nascimento. Solenidade simples, mas de grande significado para a cultura santarena.

Após a cerimônia fiquei conversando com o maestro Isoca.  Falei sobre o valor da entrevista que nos tinha concedido em 1989 e perguntei-lhe se concordava em prosseguir com o depoimento, pois considerava que ainda tinha muita coisa por contar para consolidar a história oral da cidade. Que, se concordasse, iria entregar-lhe um gravador com três fitas cassetes para que nas horas vagas, em sua residência, ao sabor dos ventos, conversasse com ele e desfiasse detalhes da sua existência, que falasse sobre o que viu e sentiu na sua terra querida.

Ele topou a parada. No dia 16 de abril de 1991 entreguei-lhe o gravador com as 3 fitas. No dia 15 de junho me telefonou avisando que o material estava pronto, com três horas de gravação. O conteúdo desse solilóquio também faz parte do livro Idílio do Infinito. Livro prefaciado pelo poeta João de Jesus Paes Loureiro, que disse assim:

"Não se pode pensar em Isoca sem lembrar Santarém. Não se pode pisar em Santarém sem sentir a musicalidade do seu compositor. Santarém está para Isoca, assim como Passárgada para Manuel Bandeira: a terra da utopia da felicidade... O livro que aqui entreabrimos trás emoção e memória entrelaçadas. Documento e sentimento. Trata-se de oralidade registrada. A fala de Isoca agrega o calor de sua vida aos fatos relatados. Arquivo da alma",

Imortal da Academia Paraense de Letras, o maestro faleceu em Belém aos 89 anos, no dia 24 de março de 2002 e foi sepultado em Santarém. Seu corpo desfilou em carro aberto do aeroporto até a Catedral, com paradas no Quartel da Polícia e na Casa da Cultura, onde foi homenageado. Durante o cortejo foi ovacionado pelos estudantes e populares que se postavam ao longo de todo o trajeto.

Na igreja, por ocasião do velório e da missa de corpo presente, as bandas comandadas pelo seu irmão Wilde Fonseca e pelo filho Tinho, tocavam músicas de sua autoria. A missa foi celebrada por Dom Lino e foi lembrado que ele tinha sido o primeiro ministro de eucaristia de Santarém. Tudo no enterro foi solene, bonito. Isoca desceu à sepultura já de noitinha, com a lua cheia despontando esplendorosa no firmamento. Desceu sob os acordes de suas músicas imortais: Um poema de amor;

 Foi um homem bom. Cada vez que mantinha contato com o maestro aumentava minha admiração pela sua simplicidade e genialidade artística. Na época não conseguia entender como conviviam numa mesma pessoa, pacificamente, dois atributos considerados por mim inconciliáveis. A auto-promoção não fazia parte do seu script.

O livro "Idílio do Infinito" é encontrado no ICBS, acompanha DVD com a entrevista na sua residência. 


              


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