sábado, 20 de abril de 2024

Santarém e a sua vocação econômica - 24.06.2017


Ao longo dos seus 356 anos de fundação, passando por Missão, Vila e Cidade, Santarém, assim como as pessoas, vem convivendo com seus dilemas existenciais. 

O atual diz respeito à sua vocação econômica, que envolve duas correntes distintas de pensamento: a das ONGs ambientalistas e dos movimentos populares que levantam a bandeira da preservação do meio ambiente, contra os desenvolvimentistas que têm no meio ambiente a matéria prima necessária para promover o “desenvolvimento” deles, e desejam transformar o município num produtor e corredor de exportação de grãos proveniente do Centro Oeste brasileiro.

A expansão da fronteira agrícola em Santarém já é fato consumado, como já ocorreu em outras regiões do Brasil. É sempre bom lembrar que o bioma cerrado, caracterizado por seu clima seco e árvores retorcidas, encontrado em vários estados do Planalto Central, já foi considerado como impróprio para agricultura. Foi assim que aprendi nos meus livros de geografia no Dom Amando. 
Com o tempo, a cultura da soja veio subindo o mapa e hoje a maior produção de grãos do Brasil é proveniente do "improdutivo cerrado".

Em Santarém ela chegou na década de 1990. 
Pela sua localização geográfica, banhada pelos rios Amazonas e Tapajós, além de produtor de soja, o município vem sendo adaptado para se consolidar como grande corredor de exportação de grãos do Oeste Paraense. 
Escoar a soja produzida no Mato Grosso pelo porto de Santos ou Paranaguá, custa US$ 120 a tonelada, pelo porto de Santarém 80 dólares. 50% mais barato. 
Este dado esclarece o forte interesse do agronegócio em viabilizar esse corredor de integração Santarém/Cuiabá.

No final do ano de 2003, participei em Belém, no Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), do seminário "A Geopolítica da Soja na Amazônia", onde foram discutidos os impactos sócio-ambientais produzidos no bioma amazônico, decorrentes da expansão da fronteira agrícola motivada principalmente pela produção de grãos, em especial o cultivo da soja.

Este processo continua a merecer uma ampla discussão em virtude de suas demandas para consolidação de infra-estrutura do sistema de produção/exportação, no nosso caso terra/estrada/porto, que agrava a expansão do sistema de latifúndios, gerando conflitos entre grandes produtores e populações tradicionais das comunidades, transformando paisagens.

Este padrão de ocupação e uso da terra, como bem disse Peter Toledo, diretor do MPEG, na abertura do Seminário, exige uma reflexão e posicionamento por parte da comunidade acadêmica, que tendo como base informação e conhecimento científico sólidos, deve analisar pontos importantes e resolver questões estratégicas como, por exemplo, se os padrões de uso e mudança da terra e critérios de sustentabilidade dos modelos agrícolas reproduzidos de outras regiões brasileiras, podem ser compatíveis com a especificidade da floresta tropical úmida da Amazônia.

Um dos desafios do setor ambiental da Amazônia não está, necessariamente, em evitar o desmatamento a qualquer custo, mas na falta de informações sobre o potencial da floresta e os benefícios que podem trazer seus recursos naturais.

No governo Ruy Corrêa (1993/96) o município ganhou a estrutura organizacional que mantém até hoje. 
Nesse período, a Prefeitura assinou convênio com a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais - CPRM, empresa vinculada ao Ministério de Minas e Energia, para realizar levantamento das potencialidades do Município. 
As informações obtidas foram disponibilizadas em forma de inventários, que recebeu o nome de PRIMAZ - Programa de Integração Mineral em Municípios da Amazônia.

Esse minucioso levantamento das potencialidades dos espaços municipais gerou mapas temáticos que possibilitavam (e possibilitam) às autoridades do município e do estado o acesso aos elementos necessários à elaboração de planos de desenvolvimento regional que, infelizmente, fica a impressão, nunca foram utilizados.

O PRIMAZ informava que o município possuía 600.000 hectares com áreas alteradas, que quer dizer áreas que foram desmatadas e depois abandonadas ou transformadas em pastagens mal manejadas. 
Foi com base nessa informação que a soja veio para ficar pois, segundo o discurso da época, não seria preciso desmatar para se estabelecer o pólo sojeiro em Santarém, dando início ao ciclo do agronegócio na região.

Em 1996 foi implantado um projeto piloto com objetivo de testar diversas variedades de soja em Santarém. Isso ocorreu numa área de propriedade do senhor Francisco Quincó, na comunidade do Diamantino, a 12 km do porto da CDP. 
Projeto idealizado pela AGRÁRIA - Engenharia e Consultoria S/A, empresa do Paraná, em parceria com o Grupo Quincó. 
É que no ano anterior a AGRÁRIA tinha sido contratada pelo estado para "identificar métodos e procedimentos para a exploração das várzeas da região, em bases econômicas e ambientalmente sustentáveis" e, casualmente, acabou se transformando no catalisador que desencadeou tudo o que hoje se observa com relação a produção de grãos em larga escala no Médio Amazonas. Prometo um dia contar essa história.

A ideia da AGRÀRIA era produzir soja em Santarém, pertinho do porto, valendo-se dos 600 mil hectares alterados. 
O raciocínio da empresa era que mesmo que a produtividade fosse menor que a do Sul e Centro Oeste, esse fator poderia ser compensado pela economia do frete. 
Porém a produtividade apresentada por algumas variedades, já no primeiro ano, deixou todos animados: 57 sacas por hectare, não ficando nada a dever ás regiões de alta produtividade.

Esse resultado provocou a corrida de produtores de outros estados em direção a região e, com eles, recrudesceu o êxodo rural da agricultura familiar que tradicionalmente produzia em pequena escala com baixa produtividade no planalto santareno. 
A abertura de novas áreas para o plantio adquiriu proporções geométricas em relação aos anos anteriores, transformando a paisagem ao longo da BR-163. A busca desenfreada por terras acabou em grilagem, gerando conflitos que foram parar na polícia.

Hoje, algumas comunidades estão praticamente extintas, restando somente o nome. Seus moradores venderam seus lotes e as casas foram dando lugar a áreas mecanizadas para produção de grãos. Escolas foram fechadas por falta de alunos, linhas de ônibus desativadas por falta de passageiros. O discurso inicial de que não seria preciso desmatar para se estabelecer o pólo sojeiro em Santarém não passou de discurso.

O Pará é um estado rico, mas apresenta alguns dos piores índices de desenvolvimento humano, o que mostra que alguma coisa não está funcionando de forma apropriada, que muita coisa precisa ser ajustada. 
Não podemos nem devemos confundir crescimento econômico, que é a elevação da produção estudada, calculada através da soma de todos os produtos e serviços gerados na região num determinado período, com desenvolvimento econômico, que está relacionado a melhoria do bem estar da população, e é medido através de indicadores de educação, saúde, renda, pobreza, etc.

Resumindo: crescimento de um setor não garante o desenvolvimento do município.

Modificar essa realidade não é tarefa fácil. O fato é que ainda não sabemos como fazê-lo dentro do sistema econômico vigente. 
O agronegócio exige escala, torna-se necessário encontrar opções econômicas que atendam a grandeza da Amazônia. Eu mesmo, como engenheiro florestal e extensionista da EMATER, já tentei algumas alternativas, dentre elas o pau-rosa e o curauá, mas não vingaram, falta quase tudo (pesquisa, insumos, assistência técnica, recursos financeiros, capacitação dos produtores, vontade) para que se consolide uma cadeia produtiva nesses nichos de mercado, que consiga modificar o "modus operandi" da tradicional agricultura familiar. 
Sem falar no cupuaçu, andiroba, copaíba, cumaru, etc. Não existem processos de agroindustrialização que agreguem valor à produção primária para aumentar a renda da família, nem conhecemos estudo de mercado dessas culturas.

O tráfico de animais silvestres é hoje a terceira maior atividade ilegal do mundo, só perdendo para o tráfico de drogas e de armas. Peixes ornamentais e aranhas caranguejeiras fazem parte da relações dos animais contrabandeados aqui da Amazônia. Por que não incentivar a criação desses peixes e aranhas, organizar e estruturar esse mercado?


  


Escreva um comentário