O SESP e suas Avenidas - 03.11.2017


O SESP e suas Avenidas

O ciclo da borracha na Amazônia teve início a partir da segunda metade do século XIX. Seu apogeu ocorreu entre 1879 e 1912. Durou relativamente pouco. 
A história do fracasso teve início quando os ingleses, através de Henry Wickham, levaram para o Jardim Botânico de Kew Garden, em Londres, 70 mil sementes de seringueira coletadas na região do Rio Tapajós. Isso em 1876.

Trinta anos depois, em 1906, os ingleses começaram a consumir as suas primeiras 500 toneladas de borracha natural. Borracha produzida através do plantio racional da seringueira nas suas possessões localizadas na região asiática. 
Em 1908 a Amazônia ainda dominava a produção de borracha, chegando a 94% do total produzido no mundo. Domínio efêmero. Em 1913 a produção do sudeste asiático alcançou a mesma produção do Vale Amazônico. E não parou de crescer.

Para a Amazônia, que continuava e nunca saiu do extrativismo, representou o fim do ciclo do "Ouro Negro". Ciclo que, numa relação escravagista dos seringalistas com os seringueiros, alimentou a excentricidade da elite local que mandava suas roupas finas para serem lavadas em Paris e acender charuto com nota de cem libras esterlinas. É o que a história conta.

A região experimentou com a borracha uma sobrevida durante a II Guerra Mundial que irrompeu na Europa em 1939. De um lado as tropas do Eixo: Alemanha, Itália e Japão. Do outro lado os aliados, tendo a frente a União Soviética, Estados Unidos e o Reino Unido. 
Os japoneses invadem parte da Ásia e passam a controlar a produção de borracha que era cartel dominado pelos ingleses.

Para movimentar a sua crescente indústria automobilística e de equipamentos de guerra, os americanos se abasteciam da borracha comercializada pelos ingleses. 
Com o corte desse fornecimento pelos japoneses, eles voltam seus olhos para a Amazônia, a ex-maior produtora de borracha do mundo. Único lugar que poderia suprir, quase que de imediato, suas necessidades desse estratégico produto.

Os americanos tinham aço, carvão, tinham indústrias, mas faltava-lhes borracha. Sem ela não poderiam movimentar sua máquina de guerra. Era imperativo reativar o extrativismo da produção de borracha na Amazônia. 
Para isso acontecer, a potência americana precisava do apoio estratégico do Brasil. Em 1941, logo após a entrada dos Estados Unidos na guerra, os dois governos assinam o famoso Acordo de Washington, com a finalidade de viabilizar a reativação dos seringais nativos da Amazônia. Acordo que funcionou até o final da guerra, em 1945.

Pelo direito exclusivo da aquisição da borracha produzida na Amazônia, o presidente americano Franklin Delano Roosevelt oferece ao Brasil cem milhões de dólares. Oferta que o presidente Getúlio Dornelles Vargas, mesmo tendo simpatia pelos países do Eixo, não recusa.

No momento da assinatura do acordo os seringais estavam desativados. Não havia seringueiros na floresta para produzir o látex necessário para suprir a demanda dos americanos. Foi lançada então uma grande campanha patriótica convocando um exército para ir a Amazônia. Foi criado o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia - SEMTA, e a Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico - SAVA.

O contingente de trabalhadores mobilizados pela SEMTA passa a se chamar Soldados da Borracha. Mais de 60 mil nordestinos brasileiros são enviados para a floresta onde começa a imediata extração do látex.
No seu documentário "Soldados da Borracha", Caito Martins descreve o drama desses brasileiros desafortunados. Oriundos de uma região seca, encontram abundância de água, umidade elevada, animais peçonhentos, mosquitos, malária. Ambiente totalmente estranho e hostil para eles. Passam a trabalhar como escravos, longe das famílias.

Apesar de todas essas dificuldades os Soldados da Borracha conseguem elevar a produção do látex para mais de 10 mil toneladas por ano. Pelo Acordo de Washington, eles teriam direito a um pequeno salário e quando a guerra terminasse receberiam uma pensão. Em 1945 a guerra chega ao fim com a vitória dos aliados.

Guerra finda, os Soldados da Borracha são esquecidos. Não foram convidados para as comemorações da vitória dos aliados no Rio de Janeiro. A pensão prometida sumiu. 
A extração da borracha foi paralisada. Muitos não tinham para onde ir e nem dinheiro para começar uma vida nova. 
Outros ainda deviam dinheiro para os donos dos seringais e foram vendidos como escravos. Uns conseguem fugir para a floresta, outros são mortos por pistoleiros a mando dos proprietários dos seringais.

Dos 25 mil bravos soldados brasileiros que foram para a guerra, 451 morreram lutando na frente de batalha. 
Dos mais de 60 mil Soldados da Borracha enviados para a selva amazônica, morre mais da metade. Para Caito Martins a batalha da borracha representa um capítulo obscuro e sem glória do nosso passado não reconhecido, mas que continua vivo na memória dos últimos e ainda abandonados sobreviventes.

Com o incentivo financeiro do Acordo de Washington, dentre outras atribuições, o governo brasileiro se comprometia a sanear a Amazônia, cuidando da saúde dos seringueiros. Para tanto foi criado em 17 de julho de 1942 o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), subordinado ao Ministério da Educação e Saúde. Sua criação visava implantar nas áreas de extração da borracha na Amazônia, ações de combate à malária e a outras endemias.

Uma das unidades do SESP foi implantada em Santarém. No livro "Santarém Logradouros Públicos", do historiador Wilde Fonseca, editado pelo ICBS em 2007, na página 13, ele escreve o seguinte: 
"Do Acordo firmado entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos, constava uma cláusula: as ruas que passariam pela frente e pelos fundos do hospital (SESP), receberiam os nomes dos dois presidentes signatários do Acordo, e assim foi cumprido. À rua da frente do hospital foi dado o nome de Avenida Presidente Vargas e à dos fundos, Avenida Presidente Roosevelt e assim ficou por muitos anos. Mais tarde, creio que por desconhecimento do acordo assinado entre os dois governos, a Presidente Roosevelt teve seu nome substituído por Marechal Rondon".

A mudança do nome não passou pela Câmara, não foi ideia xenófoba de um vereador desinformado. Ela estava fechada quando o fato aconteceu. Foi fruto de decreto do então interventor Elmano de Moura Melo (1969/71). 
Após o assassinato do prefeito Elinaldo Barbosa dos Santos (1968/69), o governo militar, através do Decreto Lei nº 866 de 21 de setembro de 1969, transformou Santarém em Área de Segurança Nacional, sendo o capitão do exército Elmano Melo o primeiro interventor municipal. Situação que durou até 1985.

Nada contra o Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, mas o interventor poderia muito bem ter escolhido um outro logradouro público para homenagear o ilustre militar e sertanista brasileiro. Manteria, assim, intacta a história do acordo que trouxe para Santarém o Serviço Especial de Saúde Pública, atual Hospital Municipal.




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