terça-feira, 23 de abril de 2024

O médico e o sapo - 28.10.2016


O pai queria que o filho estudasse engenharia. 

O filho preferiu medicina. Em 1953, aos 26 anos, já era médico formado pela Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará. Durante a vida estudantil chegou a presidente do Diretório Acadêmico de Medicina e Vice-Presidente da UNE.

A paixão pela política partidária, latente, já pulsava. Sua outra paixão, o futebol, se intensificou em Santarém, quando aqui chegou para trabalhar na Fundação SESP, admitido por concurso do Ministério da Saúde, no mesmo ano da formatura.

Quando Everaldo Martins chegou em Santarém o São Francisco tinha formado um time de respeito, que não dava chances ao seu tradicional adversário, São Raimundo. 
Time de futebol que foi campeão em 1950, chegando ao heptacampeonato em 1956. Batista, Balão, Manoel Luis, Búfalo, Vadinho, faziam parte desse timaço que marcou época na história do futebol santareno.

Mesmo sendo torcedor do Clube do Remo em Belém, com camisa igual a do São Francisco, Dr. Martins resolveu torcer pelo São Raimundo, o alvinegro da Aldeia. Coisas do futebol! 
Em 1957, quando o Leão Azul se encaminhava para o oitavo título seguido, ele era médico do Pantera Negra e fazia parte da sua diretoria.

Assumiu para quebrar a hegemonia do adversário.
Foi buscar o goleiro Chico Bóia em Monte Alegre e o "center half" Getúlio em Belterra. Getúlio foi o primeiro jogador clássico que vi jogar no estádio Aderbal Corrêa. Daqueles que amortecem a bola no peito e saem jogando de cabeça erguida, como se estivessem passeando com a namorada pela praça. 
Completavam o plantel Otávio, Gogo, Guito, Orlando Cota, Mazinho, Cacete, Cachorro, Truira, Edir...

Disputado em dois turnos, o campeonato foi decidido em melhor de 4 pontos. Naquela época as partidas valiam dois pontos, e não três como hoje em dia. Quem primeiro chegasse aos quatro pontos seria proclamado campeão. 
O São Raimundo venceu o primeiro jogo por 3x1 e o São Francisco o segundo, 4x3. O título ficou para ser decidido no terceiro confronto.

E aí entra a figura do estrepitoso médico Everaldo Martins. Circulava pela cidade o comentário de que o adversário tinha mandado preparar um "despacho" e enterrado um sapo enfeitiçado no portão de entrada do estádio, para amarrar os jogadores do São Raimundo.

Ele acreditou na conversa. No dia do jogo, colocou o time na carroceria de um caminhão e seguiram para o Aderbal Corrêa. Lá chegando, mandou encostar o carro no muro da Av. São Sebastião e fez com que todos pulassem para dentro do estádio, evitando que entrassem pelo portão onde estava o sapo enterrado.

Pelo sim pelo não, a decisão do médico de fugir da macumba prevaleceu entre os jogadores e treinador. Hoje, pode parecer bizarra essa atitude, mas no dia 12 de janeiro de 1958 ela decidiu o título para o São Raimundo. Que venceu o São Francisco por 2x1, quebrando a série de conquistas dos azulinos.

No verão, a cidade possuía dois campos de pelada nas areias que iam do Trapiche Municipal até à Prefeitura, atual Museu João Fona. Brincávamos na praia que ficava ao lado do Trapiche, onde hoje está localizado o Mascotinho e a Praça Manoel Moraes. 
Dr. Martins, na época prefeito da cidade, não era frequentador assíduo dos rachas de final de tarde, mas aparecia de vez em quando por lá. De calção no rendengue, ficava ao lado do goleiro adversário para marcar seus gols, comemorados depois com sorvetes da padaria Lucy.

Na política foi vencedor em todas as eleições que disputou. Foi Prefeito de Santarém por duas vezes: a primeira (1963/67) quando em eleição direta derrotou os candidatos Bibito Campos e Erick Imbiriba. A segunda (1971/74), indicado pelo regime militar para substituir o interventor Elmano de Moura Melo.

No dia 20 de outubro de 1982, Dr. Martins estava mais um vez em campanha política. 
Candidato pelo Partido Democrático Social (PDS) a um terceiro mandato como deputado estadual, descia o Amazonas quando a lancha em que viajava com mais quatro pessoas, virou de repente.

Segundo comentários, não sabia nadar! A fatalidade ocorreu próximo de uma das margens do Amazonas, na comunidade do Atumã, município de Alenquer. 
Mesmo estando próximo da margem e acompanhado de outros quatro passageiros, mesmo assim, não conseguiu sobreviver. 
Dr. Marins morreu afogado, traumatizando Santarém e região, onde era benquisto como político e desportista.

Seu corpo foi encontrado vários dias após o acidente. Foi velado na igreja de São Sebastião. Da igreja foi levado ao aeroporto para ser sepultado em Belém. Morreu com a idade de 55 anos.

Emir Bemerguy, no livro "Santarenices", editado em 2010 pelo ICBS, traça o perfil de algumas personalidades da cidade, dentre elas Everaldo Martins. E encerra assim:

"Everaldo Martins, explosivo e humano, popular e benquisto, sente-se muita mais à vontade numa roda de caboclos, contando piadas e ingerindo batida de limão, do que no artificialismo dos ambientes grã-finos... Creio que essas breves pinceladas bastam para dar uma ideia satisfatória desse excelente amigo, um desses tipos que, se não existissem, deveriam ser inventados. Com urgência."

Dr. Martins dizia que saiu da Faculdade e veio aprender a ser médico no SESP.

Uma pena que o Bico, Bibiano Souza, seu vigilante escudeiro de todas as viagens de campanha pelo interior, não estivesse ao seu lado no dia 20 de outubro de 1982. 
Há 34 anos, creio que o desfecho desse drama teria sido outro bem diferente. 
Menos triste!

Fotos:

1 - Discursando
2 - ?, Everaldo, Bico, Pedro Nóvoa, Waldemar Pena, Manuel Fernandes e 
3 - Serenata no Hotel Tropical, com Laudelino, Moacir e Machadinho
4 - Serenata com a presença do governador Fernando Guilhon, com Antônio Von, Laudelino, Machadinho e Moacir.


        


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