O Amazonas dos poetas
O décimo Salão do Livro da Região do Baixo Amazonas teve início ontem, 24 de novembro, e irá até o dia 3 de dezembro de 2017. O evento é realizado em Santarém, no Espaço Pérola do Tapajós, que está ficando pequeno para a importância do acontecimento. Como vem ocorrendo nos anos anteriores, atrai numeroso público, principalmente crianças e jovens, estimulando a imaginação dos nossos futuros leitores.
É sabido que para a larga maioria dos brasileiros a leitura sempre foi uma obrigação. Uma obrigação chata, diga-se de passagem. Nas próprias escolas a leitura já foi tratada como dever, não como prazer/diversão.
Segundo pesquisa IBOPE 2015, o brasileiro lê em média 2 livros por ano. Para o escritor americano Ray Bradbury (1920/2012), "Não é preciso queimar livros para destruir uma cultura. Basta fazer com que as pessoas deixem de lê-los!"
Espero que as Feiras e Salões do Livro, que se espalham pelo Brasil à cada ano que passa, estejam mudando essa realidade. Por isso, nos causava sensação agradável quando durante as edições anteriores do Salão em Santarém encontrávamos as crianças manuseando livros, se divertindo, numa mistura de curiosidade e prazer.
Dentro da programação do Salão do Livro, todos os anos é homenageado um escritor e um país. Andressa Malcher, que integra a coordenação do Salão, anunciou em entrevista que o escritor escolhido em 2017 foi o piauiense Mário Faustino, "intelectual que agitou a cena literária de Belém e do Rio de Janeiro nos anos 40 e 50 e que inovou a cobertura cultural nos jornais da época".
O país homenageado foi o da Poesia: "Visitaremos o país da Poesia, pois entendemos que é um lugar de sonhos, território livre para a criação", explicou Andressa Malcher. País da Poesia, tai uma ótima idéia dos organizadores.
Aqui em Santarém, quando se fala em poesia, não se pode deixar de citar o Padre Manuel Rebouças de Albuquerque. Em 1961 o Coronel Mário Fernandes Imbiriba o definiu como o "Amazonas dos Poetas". Para o Coronel os outros bardos santarenos, comparados com o Padre, não passavam de "simples igarapés".
No livro Antologia dos Poetas Santarenos, patrocinado pela Coordenadoria Municipal de Cultura, edição comemorativa aos 337 anos da fundação de Santarém, organizado pelo Emir Bemerguy em 1988, é traçada breve biografia do Padre Manuel Albuquerque.
Padre Manuel (1907/77) era amazonense. Nasceu no apogeu do ciclo da borracha, no seringal "Monte Carmelo", pequena cidade de Eirunepé.
Tinha apenas dois anos quando seus pais, Tomás Rodrigues de Albuquerque e Maria José Rebouças Albuquerque vieram residir em Santarém, onde o poeta passou a infância e fez os estudos básicos.
Aos treze anos, o Cônego Irineu Rebouças, seu tio, estimulou-lhe a vocação religiosa. O jovem estudou em seminários de Manaus, França e Portugal, ingressando na Congregação do Espírito Santo. Ordenou-se a 15 de novembro de 1935, na cidade de Viana do Castelo. No ano seguinte foi enviado ao Brasil, exercendo atividades missionárias no Amazonas, Acre e Pará.
Versejador extremamente fértil e sonetista dos maiores da poesia universal. Padre Manuel deixou volumosa produção, reunida nos seguintes livros:
Maria, minha poesia; Maria, minha canção; Estrelas para a tua fronte; Brasil do meu amor; Cristais sonoros; De volta do meu garimpo; Sorrisos de minha Mãe; Meu sabiá; A Glorificação do Monossílabo.
Acrescento ao texto do Emir que o livro "Estrelas para a tua fronte" ele publicou em 1950 usando o pseudônimo de Frei Theopanta Egonil. Que em latim que quer dizer: Theopanta - Deus é tudo. Egonil - Eu sou nada. Livro em honra de Nossa Senhora, para comemorar a Assunção da SS. Virgem do Céu, contendo doze poesias.
Dois dos seus livros merecem destaque por possuírem história interessante dentro do contexto literário santareno: "A Glorificação do Monossílabo" e "Sorrisos de minha Mãe", ambos editados em 1961. O primeiro em Belém/Pará, o segundo na cidade do Porto/Portugal.
No dia 4 de dezembro de 1960, um domingo, no Colégio Santa Clara, aconteceu a festa de formatura dos alunos(as) do Dom Amando e do Santa Clara.
Padre Manuel Albuquerque conta no livro "A Glorificação do Monossílabo" que foi convidado pela Madre Epifânia para tomar parte nas solenidades: "Desejo ouvir a sua palavra calorosa e cheia de surpresas, porque festa do Santa Clara sem a palavra do Padre Manuel Albuquerque é coisa que não se compreende". Nesse dezembro de 1960, estava fazendo dez anos que ele tinha regressado a Santarém e, segundo ele, "em breves dias devo dizer adeus a esta querida cidade da minha infância, onde o coração tem raízes que nunca poderão ser arrancadas ...".
O bispo Dom Tiago foi quem dirigiu a festa de formatura, na hora oportuna declarou que a palavra estava franqueada, e empurra delicadamente o Padre Manuel Albuquerque que estava sentado à sua direita. Com seu sotaque ianque inconfundível anuncia: "Vai falar o Padre Manuel".
Padre Manuel fala aos jovens por uma hora. Seu discurso de improviso foi denominado por ele de "O Fim". E ele, assim, inicia sua oratória: "Reparai nessa palavra FIM. É um expressivo monossílabo, que para vós deve ser uma divisa, que para vós deve ser um programa. A palavra FIM não quer apenas dizer Termo, Conclusão, Encerramento, mas - muito mais - quer dizer também Destino, Finalidade, Princípio. E, nesse caso, o FIM é Deus, porque Deus é o Princípio."
"JÁ tereis porventura reparado que, - JÁ?... - queridos jovens, que as mais altas, as mais grandiosas, as mais belas, as mais terríveis, as mais enternecedoras ideias se exprimem por um simples monossílabo? Reparemos algumas delas: Deus, Pai, Mãe, Ser, Luz, Sol, Mar, Céu, Ar, Flor, Cor, Som, Voz, Paz, Bem, Mal, Sim, Não, Cruz, Dor, Lei, Rei, Fé, Crer, Ver, Ler, Ter, Dar, Pão, Sal, Mel, Pó, FIM."
Ao encerrar sua fala Padre Manuel Albuquerque foi ovacionado e praticamente intimado a por no papel e publicar sua oração aos jovens. Assim nasceu "A Glorificação do Monossílabo", editado em Belém um após a solenidade de formatura do Dom Amando e Santa Clara.
A história do "Sorrisos de minha Mãe" guarda alguns fatos pioneiros ocorridos em Santarém. O livro foi impresso em Belém pela H. Barra, mas Padre Manuel fez questão que fosse lançado primeiramente aqui.
O Jornal de Santarém noticiou o lançamento do livro: "Apesar da chuva miudinha e apesar também da chegada do "Lauro Sodré" no horário da reunião, revestiu-se de grande êxito o Festival de Autógrafos do Rvd. Padre Manuel Albuquerque, no salão do Centro Recreativo, às 10 horas da manhã do dia 25 de junho de 1961".
Durante a cerimônia falaram o bispo Dom Tiago e os políticos Silvério Sirotheau Corrêa e Armando Nadler. O jovem ginasiano Ronaldo Campos, em nome de Océlio de Medeiros, leu documento enviado pelo deputado elogiando o valor do livro.
Antonieta Dolores Teixeira comentou o pioneirismo do evento nas páginas do O Jornal de Santarém:
"Pela primeira vez, nesta cidade, tivemos a honra de autógrafos. Foi uma hora de encantamento. Infelizmente o nosso público ainda não sabe apreciar as coisas boas. Uma festa de Arte Literária quase sempre tem uma assistência reduzida, o que demonstra a falta de interesse da nossa gente pelas coisas do espírito."
No dia 22 de julho de 1961 Padre Manuel Albuquerque receberia em sessão especial no salão nobre da Câmara Municipal o título de Cidadão Santareno, que pela primeira vez estava sendo concedido. Presente o prefeito Ubaldo Corrêa. O vereador Nicolino Campos, presidente da Câmara, falou em nome dos vereadores e entregou o diploma ao homenageado. Enquanto que Paulo Lisboa, também vereador, falou em nome dos antigos alunos do Padre Manuel.
Padre Manuel Rebouças de Albuquerque, pioneiro a participar de uma sessão de autógrafos, pioneiro a receber o Título de Cidadão Santareno. Era membro honorário das Academias de Letras do Maranhão, Ceará e Amazonas. Faleceu no Rio de Janeiro, a 7 de janeiro de 1977.
Ia esquecendo, ele é padrinho de batismo do José Ronaldo Dias Campos, advogado e sócio fundador do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós - IHGTap.
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