30/5/2009 - A MELHOR DEFESA É O ATAQUE
Meus amigos, aproveitei o feriado do dia do trabalho para registrar a enchente que vem tirando o sossego dos ribeirinhos da região. Os comerciantes da frente da cidade assistem impotentes as águas invadirem seus estabelecimentos, coisa nunca vista anteriormente, nessas proporções. Ainda vão ter que conviver com ela por uns dias, o período do repiquete está apenas começando.
Enquanto filmava, um repórter de TV se aproximou e conversamos sobre a enchente deste ano. Ele queria saber o que o governo poderia fazer para combater as cheias futuras. Disse-lhe que os governos não devem tentar combater os fenômenos da natureza e sim aprender a conviver com eles. Tendo o cuidado de estudá-los para melhor compreendê-los, e assim encontrar a melhor forma de convivência inteligente e pacífica, para não cair na tentação de um enfrentamento desnecessário, inútil e dispendioso.
As cheias podem ser analisadas por diversos ângulos, mas me deterei a olhar o ambiente das várzeas, onde moram os ribeirinhos. Mesmo sendo um fato natural e previsível com o qual já estão acostumados, quando chega muda completamente a vida desses amazônidas. No século passado, a cheia de 1953 foi a primeira a causar espanto. Ficou famosa porque as águas fizeram desaparecer as várzeas baixas e os tesos, invadiram restingas e campos naturais, fazendo com que as marombas se tornassem inúteis, pois os ribeirinhos não tinham como alimentar o gado. Ficou registrado que mais da metade do rebanho bovino foi dizimado pela falta de pasto, causando um prejuízo que baqueou a economia de milhares de famílias. Como não estavam acostumados com o nível que a água atingiu nesse ano, os pequenos pecuaristas não possuíam pasto em terra firme e o gado morria de fome.
A partir de 53, os ribeirinhos tiveram que se adaptar a essa realidade. Hoje, dentre os prejuízos que a cheia de 2009 vem acarretando a perda do gado já não é relevante. Aprenderam que precisavam se adaptar ao regime das águas, passaram a implantar pastos em terra firme e o problema foi equacionado. Leandro Tocantins já nos ensinara que na Amazônia o rio comanda a vida.
Para socorrer as populações atingidas pelas cheias ou outros fatores adversos o Governo criou a Defesa Civil. Uma Secretaria que cuida de preservar ou restabelecer a situação de normalidade da população atingida pelos “desastres” ocasionais. No período das cheias, a Defesa Civil faz uma viagem de reconhecimento para avaliar a extensão dos prejuízos. No início da década de 80 do século passado, eu mesmo, como extensionista da Emater, participei de algumas delas. Essas viagens de barco geravam um relatório que iria nortear a ação a ser executada pelos órgãos envolvidos no atendimento aos ribeirinhos. Ações que ainda hoje visam principalmente afastar o fantasma da fome, pois nada de estruturante pode ser realizado enquanto as águas estiverem cobrindo toda a extensão das terras das várzeas. Para os ribeirinhos, pior que a grande cheia é a vazante demorada. Ela carrega consigo as doenças, os mosquitos, os animais peçonhentos. Quando a terra consegue colocar a cabeça fora d’água, oferece-lhe como recompensa pelo sofrimento o milagre da sua fertilidade. Fertilidade que vem sendo negligenciada, deixando de produzir os frutos que poderiam amenizar a extrema dependência dos ribeirinhos pela ação da Defesa Civil no período das grandes cheias.
Se no futebol a melhor defesa é o ataque, com relação à cheia deveria ser adotada a mesma tática pelo governo. Bem que ele poderia criar o Ataque Civil que funcionaria nos seis meses de seca dos rios da Amazônia. É nesse período que os ribeirinhos mais precisam de parceiros para usufruir da fertilidade das terras descobertas que circundam sua existência. Nessa hora os ribeirinhos precisam de sementes, mudas, alevinos, irrigação, assistência técnica, pesquisa, crédito, treinamento, mercado, etc., mas os parceiros se retiram para voltar na cheia do próximo ano com cestas básicas e tábuas, quando entra em campo novamente o esquadrão da Defesa Civil.
Entretanto, as ações no período de seca são isoladas e pontuais, desconectadas de um programa específico de governo. Por isso mesmo não conseguem quebrar o marasmo da produção de alimentos das várzeas, insignificante quando comparada com o que poderia produzir se fosse sistematizada. É preciso mudar a tática do jogo. No futebol quando os resultados não aparecem o técnico é imediatamente defenestrado.
Para vencer o jogo da natureza é preciso mudar a tática e a mentalidade.
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