ICBS - 40 anos de existência
Desde minha infância fui atraído pelos livros. A primeira biblioteca que frequentei foi a municipal Paulo Rodrigues dos Santos, que funcionava no Teatro Vitória, no início da década de 1960. Depois frequentei a biblioteca do Dom Amando. Na juventude passei a ler para o alfaiate Boanerges Sena, enquanto este costurava na sua máquina Singer. Livros indicados por ele. Autodidata, amante da leitura, mesmo com dificuldades financeiras, papai conseguiu montar na sala de casa pequena biblioteca.
Em 1968 fui estudar em Belém. Após concluir o curso de engenharia florestal em 1977, na antiga FCAP - Faculdade de Ciências Agrária do Pará, atual UFRA, entrei na Emater e retornei para Santarém em 1979, já casado com a bragantina Ana Rute.
Tomei a iniciativa de criar uma biblioteca em casa, com foco nos livros e documentos sobre Santarém e Amazônia, que denominei Biblioteca Boanerges Sena, em homenagem ao alfaiate, isso em 23 setembro de 1981, dia e mês do aniversário do homenageado. Passados dois anos, o volume dos livros nos obrigou a construir um espaço de 100 m2 para receber as estantes e livros da sala, com acesso aos visitantes através de escada por fora da residência.
Como não sabia dispor de forma ordenada os livros na Biblioteca, em 1983 entrei em contato com o Instituto Nacional do Livro e solicitei o seu registro no INL. Em resposta, o Instituto informou que não realizava registro de bibliotecas particulares, e nos enviou um exemplar do livro "Os livros são para ler - Um manual de treinamento e orientação para encarregados de pequenas bibliotecas públicas". Era o que precisávamos para organizar a Biblioteca Boanerges Sena.
Foi o começo da estruturação da Biblioteca até chegar ao Instituto Cultural Boanerges Sena. Aprendemos a registrar, classificar e catalogar e, à cada noite, Rute e eu, subíamos para a biblioteca e passamos a separar os livros por assunto e autores, dentro da sua classificação bibliográfica.
Em 1986 conseguimos registrar a Biblioteca no Conselho Regional de Biblioteconomia - 2ª Região, onde recebeu o registro Nº 114. E a cada ano que passava o espaço ia ficando pequeno para o volume do acervo, que vinha se diversificando. Além dos livros, criamos uma hemeroteca, catalogamos fotografias, vídeos, mapas, em volume cada vez mais crescente.
Em 1995 resolvemos tirar a biblioteca de casa. Iniciamos a construção de um prédio específico para abrigá-la, em terreno contíguo ao da nossa casa. Constituímos o Instituto Cultural Boanerges Sena - ICBS, registrado em cartório, com a finalidade de manter e ampliar a Biblioteca Boanerges Sena, o que já vínhamos fazendo sem ele, e continuamos a fazer, até hoje.
A partir de 1993, por ocasião do vernissage da tela do Elias do Rosário "Santarém de 1930", realizada na Biblioteca Boanerges Sena, instituímos o livro de frequência da Biblioteca e, nesses trinta e sete anos, 24.500 pessoas registraram suas presenças, oriundas de vinte e cinco estados brasileiros (exceção de Sergipe e Piauí), e de 17 países.
Adquirir, preservar e disponibilizar os documentos para pesquisa, sempre foi o principal objetivo do nosso trabalho: jornais, livros, fotografias, mapas, cartas, fazem parte desse acervo que resgata, valoriza e divulga a história da região, que nada mais é do que a história do próprio homem. O ICBS tornou-se um espaço que, com essas características, naquela época, ainda não existia em Santarém.
Em 1988 iniciamos o Projeto Memória Santarena (PMS), trabalho que resgata parte da nossa história oral, narrada por pessoas da cidade. Os entrevistados, através dos seus depoimentos, recuperam o passado a partir das suas análises e concepções. O Projeto Memória Santarena já possui mais de 70 depoimentos colhidos, sendo o primeiro de José da Costa Pereira, famoso Zeca BBC.
Prosseguindo na caminhada, em 1998 passamos a editar livros de autores regionais, começando por "O Tapajós que eu vi", de Eymar Franco. Já alcançamos a marca de 74 livros editados, vários deles, em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura de Santarém. E em 2016 inauguramos a página do ICBS na internete.
Em breves pinceladas, citei alguns acontecimentos que marcaram a trajetória do Instituto Cultural Boanerges Sena, que completa 40 anos nesse 23 de setembro de 2021.
Hoje, olhando para o início, sentimos orgulho da nossa ousadia ao criar e manter com recurso próprio esse espaço cultural, identificado com a preservação e divulgação da memória de Santarém e Região, procurado por quem busca entender a História da Amazônia.
Para celebrar a data, decidi organizar um livro comemorativo, não escrito por mim, mas contendo depoimentos de pesquisadores que usufruíram, de alguma forma, do acervo que dispõe o Instituto Cultural Boanerges Sena.
O título, retirei do texto do professor de antropologia Jeremy Campbell, da Universidade Roger Williams, EUA, que entrou pela primeira vez no ICBS no dia 11 de setembro de 2006, e assim definiu nosso trabalho: "Chegando à região com fome de aprender mais sobre sua história social, cultural e econômica, tive a sorte de ser encaminhado ao arquivo e museu privado administrado pela família Sena. Digo “sorte” porque, na verdade, os arquivos que pude explorar eram uma mina de ouro: repleta de tesouros (livros, fotos, artefatos) que me deixaram maravilhado e me equiparam com as histórias de que precisaria para apreciar a escala, grandeza e diversidade das comunidades humanas no Oeste do Pará."
Para Jeremy Campbell "O Instituto era o sonho dos pesquisadores."
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