A responsabilidade é nossa
Na minha última viagem a Belém, em outubro, garimpando nas prateleiras do sebo Relicário, encontrei dois livros de um autor que até aquele momento eu não conhecia, o paraense André Costa Nunes (1939/2018), filho de Anfrísio da Costa Nunes - retirante nordestino que se estabeleceu em Altamira, tornou-se seringalista e enriqueceu subindo e descendo os rios Xingu e Iriri.
"A batalha do Riozinho do Anfrísio, uma história de índios, seringueiros e outros brasileiros", com prefácio de Lúcio Flávio Pinto, e "A agenda do velho comunista", foram os dois livros do André Nunes que adquiri e que me impressionaram pela qualidade literária dos seus textos.
Ainda jovem, André fez parte do Partido Comunista Brasileiro, depois formou-se em economia pela Universidade Federal do Pará e trabalhou no Banco de Crédito da Amazônia.
Devido a crescente onda de assaltos que diariamente são anunciados pela mídia digital, e impressionado pelos comentários que cada nova notícia proporciona, onde a maioria exige das autoridades a eliminação dos bandidos como forma de proteção da família, propriedade e dos seus negócios, lembrei-me do diálogo entre o André Nunes com o camarada Adamastor, depois que sua residência em Marituba foi assaltada, com os bandidos entrando aos berros: ninguém se mexa, todo mundo deitado no chão.
O diálogo que André travou com Adamastor está no livro "A agenda do velho comunista":
"Quando chamas de bandido, crianças de dez, doze, quinze ou dezesseis anos, por um momento te desconheço. Se eles portam uma arma, roubam ou mesmo matam, não invalidam a tese primária: ninguém nasce bandido.
Todo mundo nasce criança e criança branca, preta, amarela, azul, vermelha, rica, pobre, é apenas criança.
O que está errado é o mundo que demos a elas.
As pobre - não muitas, é claro - vão assaltar o público. São o lumpemproletariado.
Se ricas - também não muitas - assaltam a "coisa pública".
São os corruptos e os corruptores. Estes produzem aqueles.
Com estes convives muito bem. Aqueles te causam asco.
Mudar o mundo é responsabilidade de gente como nós. Quando? É irrelevante. Uma geração, dez, vinte? Não importa. O que importa é o sonho e, como dizia Cervantes, os sonhos existem. Eu, pelo menos não saberia viver sem eles.”
O que está errado é o mundo que demos a elas. Adamastor nos revela com clareza o x da questão!
E os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPS) foram as mais ousadas e arrojadas iniciativas de se melhorar o mundo a ser oferecido a essas crianças.
Foram criados na década de 80 por Darcy Ribeiro, quando era Secretário da Educação no Rio de Janeiro, no governo de Leonel Brizola. O objetivo era proporcionar educação, esportes, assistência médica, alimentos e atividades culturais variadas, em instituições colocadas fora da rede educacional regular.
Entretanto, o objetivo principal do governo era tirar as crianças carentes das ruas, evitar que se transformassem em bandidos
Hoje, a filosofia do projeto original do CIEPS virou fumaça.
Mas como bem nos adverte o camarada Adamastor, "mudar o mundo é responsabilidade de gente como nós. Quando? É irrelevante. Uma geração, dez, vinte? Não importa. O que importa é o sonho e, como dizia Cervantes, os sonhos existem. Eu, pelo menos não saberia viver sem eles.”
Nem eu!
Feliz 2022!
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