Amigo de fé, meu irmão camarada - 11.11.2022


Amigo de fé, meu irmão camarada!

Hoje cedo fiquei sabendo no facebook, através da sua esposa Natalia Sousa, do falecimento do meu amigo João Figueira. Amigo desde o tempo de Dom Amando, onde estudamos e fomos contemporâneos na década de 1960. Ele três anos mais velho que eu.

Nesse tempo o Márlio Cunha era professor de educação física no colégio e, ao mesmo tempo, técnico do América Futebol Clube.

Durante as peladas de futebol que faziam parte das nossas aulas de educação física, Márlio selecionava os jovens bons de bola e levava para o seu time. João Figueira, Praxedes, Cacareco, Lulu, Bode, Valério, Zé Aurélio, Cristovão Lins, Podaliro... fazíamos parte da equipe que foi pela primeira e única vez campeã santarena, isso em 1965.

O destino nos separou, depois resolveu nos aproximar novamente.

Em 1973 eu decidi me desligar do emprego na Petrobrás e voltar a estudar, pois tinha abandonado em 1970 o curso de química industrial.

Incentivado por agrônomos, amigos de bar, matriculei-me para fazer o vestibular de engenharia agronômica na Faculdade de Ciências Agrárias do Pará - FCAP, atual UFRA.

No dia da matrícula voltei a me encontrar com o João Figueira, ele tinha concluído o curso de agronomia e trabalhava na FCAP.

Após esse dia voltamos a nos encontrar para papos molhados. Eu morava no edifício Nassar, no centro de Belém.

Nesse ano a FCAP oferecia 180 vagas para os cursos de agronomia, florestal e veterinária. As provas eram eliminatórias e eu estava três anos sem frequentar salas de aula, sem pegar em livros didáticos.

O vestibular começou e a última prova era de português. Eu tinha conseguido pelo menos a nota mínima exigida nas provas anteriores e ia enfrentar a de português.

Na véspera da última prova, já no início da noite, eu estava no apartamento me preparando para sair quando bateram na porta. Abri, era o meu amigo João Figueira com um livro na mão.

Naquele seu jeito mandão de ser, foi logo dizendo que era para eu tirar a roupa, pois eu não iria sair do apartamento, e explicou:

"Olha, tuas notas nas outras provas são baixas, precisas melhorar na de português para seres aprovado. É no português que as mulheres tiram as melhores notas, subindo na classificação".

O livro que o João Figueira trouxe era uma gramática da língua portuguesa, com ela o conteúdo do programa do vestibular de português, que os alunos recebiam na hora da matrícula, que era para me orientar o que eu deveria estudar para a prova.

Argumentei que precisava sair para jantar, ele disse que iria buscar a minha janta.

Saiu e voltou com sanduíches e refrigerante, que colocou em cima da mesa e se retirou, deixando-me perplexo, pois ele veio de forma espontânea, a demonstrar, com aquele ato, todo poder da amizade, sentimento capaz de gerar efeitos positivos extraordinários. Como de fato gerou naquele momento!

Fiquei a imaginar, não posso decepcionar o meu amigo João Figueira. Após o jantar pus-me a estudar, dormi, acordei de madrugada para voltar a estudar, o amigo não saía do meu pensamento.

Na hora da prova, ao ler as perguntas, sorria ao ver que a maioria das respostas estavam frescas na minha mente, pois tinha estudado aquele assunto na véspera, na gramática do João Figueira.

O resultado do vestibular saiu num sábado, pela ondas da PRC 5, Rádio Clube do Pará.

Como já disse antes, eram 180 vagas para os cursos de agronomia, florestal e veterinária.

Foram saindo os nomes dos primeiros aprovados, dos 50 aprovados, dos 100, 150, 175 aprovados e nada do meu nome sair no rádio.

Estava acompanhando o resultado na casa da tia Angélica, e o locutor disse que iria dar os dois últimos nomes, e falou: Joaquim Cristovam de Andrade Sena e um outro nome que não consigo lembrar, nem poderia.

Fui o penúltimo classificado. Esse momento, passados 49 anos, ainda hoje passa como um filme pela minha memória e o João Figueira é o artista principal dessa película.

Por isso a agronomia que os amigos agrônomos queriam que eu estudasse, não deu. Como minha segunda opção era engenharia florestal, foi o que cursei e me formei em 1977, graças ao amigo João Figueira e a sua providencial gramática.

A festa do vestibular varou a madrugada de sábado e foi até o anoitecer de domingo, ele foi um dos últimos a se retirar.

Voltamos a nos encontrar já em Santarém, ele na Sagri, eu na Emater. Participamos de projetos comunitários envolvendo as fibras naturais, com as culturas da juta e curauá, e com as essências florestais cumaru e pau rosa.

Guardo histórias dessa nossa convivência profissional em Santarém e Região, no planalto e nas várzeas, viajando de barco, lancha, carro e avião, sempre arranjando um tempinho para, nos finais do dia, após as visitas aos produtores e/ou reuniões, saborear uma estupidamente gelada.

A última vez que conversei com o amigo João Figueira foi na feira do Mercadão 2000, estava baqueado, Natália me disse que ele já não gostava de sair de casa, vivia deitado na rede.

Saudades eternas meu amigo de fé, meu irmão camarada João Figueira!




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