ICBS: No coração da Amazônia, cultura e natureza se harmonizam - 26 de agosto de 2010


A Amazônia é vista, inclusive por nós mesmos daqui, como um mundo onde a natureza exuberante impera, o que é verdade. Nos orgulhamos das nossas florestas, dos imensidão dos rios e da infinitude de seus peixes, dos animais grandes ou dos seres microscópicos, da grandeza de tudo que é amazônico.

É essa a imagem que nos passam, e passam a todos os brasileiros e estrangeiros desde os livros escolares até os recorrentes e intermináveis programas de TV mundo afora. Imagem positiva, mas redutora.
A questão não é essa. A questão é que a Amazônia é vista, de perto ou de longe, tão somente como um mundo natural, onde a cultura inexiste ou, quando existe, trata-se de culturas rudimentares, “tradicionais” como dizem os antropólogos.

É claro que essas culturas existem e têm valor inestimável, pois, como observou Cristóbal de Acuña em 1637, somente descendo o rio Amazonas, de Quito a Belém, ele contabilizou mais cem povos distintos, com suas línguas, seus costumes. Ora, onde há povo, há cultura.
E há também a cultura chamada de erudita, propiciada pelos povos que aqui chegaram da Europa e se fixaram há mais de 4 séculos. Nem este tipo de cultura costuma ser visualizado nem por nós nem pelos de fora. Cultura erudita que não é, por si, superior às culturas tradicionais, apenas distinta.
Conectando estas duas formas de cultura, existe na cidade de Santarém, na paisagem onde se encontram os rios Tapajós e Amazonas, uma instituição organizada por um engenheiro florestal que deixou o trabalho com a floresta verde para se dedicar à floresta dos livros e de diversificadas formas de cultura. É o Instituto Cultural Boanerges Sena (ICBS), organizado e dirigido por Cristovam e Ana Rute Sena. Ali se harmonizam as várias formas de cultura.

No ICBS estão mais de 5 mil livros, 40 mil fotografias grande parte delas em negativo, documentos, uma hemeroteca com milhares de jornais contando o dia-a-dia de épocas passadas nesta parte da Amazônia. Em vez de ficar descrevendo as atividades do ICBS, como se tornou conhecida a instituição, melhor ler o que diz seu idealizador e dirigente. Veja a entrevista:

Quantos e que tipos de jornais há na hemeroteca do ICBS?
É difícil quantificar, mas temos coleções completas de jornais, alguns que já circularam, outros que ainda circulam em Santarém. Possuo o Jornal Pessoal do Lúcio Flávio Pinto quase completo, desde o nº 1. De um bom tempo pra cá que ele envia de Belém o indispensável JP para a nossa biblioteca, sem cobrar nada. Aproveito a oportunidade para agradecer essa deferência do amigo com o ICBS.

E documentos?
Não tenho noção de quantos documentos existem no nosso acervo.
E fotos?
Só de negativos são uns 40.000

Há obras de arte?
São 34 obras de arte

Qual a ênfase dos conteúdos do acervo (tipo, história, geografia, economia, Amazônia, etc.);
Nosso acervo é variado, mas a ênfase do ICBS é Amazônia.

Quais as razões da criação e manutenção do ICBS?
O ICBS é um projeto de vida que consegui implantá-lo com a cumplicidade da Rute. Nosso maior lucro com o ICBS é a satisfação pessoal de viver em paz, sem subserviência.

Quantas visitas recebe o ICBS, locais, nacionais, estrangeiras?
Em 2010, até agora, recebemos a visita de 453 consulentes, das mais variadas profissões: (estudante, professor, bibliotecário, contador, dentista, corretor de imóveis, auxiliar de escritório, agricultor, autônomo, nutricionista, aposentado, economista, veterinário, jornalista, historiador, arquiteto, fotógrafo, pedagogo, florestal, antropólogo), das seguintes procedências: Belém, Manaus, São Paulo, Óbidos, Alenquer, Monte Alegre, Rio de Janeiro, Brasília, Ananindeua, Estados Unidos .

Que tipo de visitante é mais comum: estudante, cientista/pesquisador, turista curioso?
A maioria dos nossos visitantes é formada por estudantes de Santarém.

Que tipo de informações são mais procuradas?
História de Santarém e região, em todos os seus aspectos. Já a turma de fora vem em busca de informações principalmente sobre meio ambiente (mineração, grãos, reserva indígena, quilombolas, desmatamento, etc.).

Qual a interação ICBS/instituições universitárias locais?
Praticamente nenhuma.

Como é mantido o ICBS: recursos próprios, arrecadação por visitas, editoração, verba pública?

Não cobramos de quem nos visita para pesquisar na Biblioteca. Se quiserem, os alunos podem passar o dia estudando/pesquisando sem pagar nada, com direito ao café e água gelada. Cobramos somente pelo serviço de cópia que disponibilizamos aos visitantes.
Arrecadamos também com digitação, encadernação e plastificação. Para a editoração de livros contamos com a valiosa colaboração dos amigos, empresas e do governo municipal.
Com relação a verba pública, nesses 27 anos de funcionamento da Biblioteca Boanerges Sena e 15 do Instituto Cultural Boanerges Sena, não efetivamos nenhum convênio com alguma instituição pública ou privada. Recebemos muito “apoio moral”.

A editoração é uma das principais atividades do Instituto?
A editoração não chega a ser a principal atividade do ICBS.

Quantos livros já editou?
Já editamos 33 livros. A relação vai anexada (será publicada em outra postagem).

Já que não somos eternos, que futuro prevês para o ICBS?
Sinceramente que ainda não estou pensando no final desse enredo. No livro editado este ano pela Record, “Não contem com o fim do livro”, que até comentaste sobre ele no teu blog, a última pergunta do Jean Tonnac ao Umberto Eco e ao Jean-Claude é a mesma que me fazes agora. Penso como o escritor de “O nome da rosa”, que diz que quando morrer não deseja que sua coleção seja dispersada, que a família poderá doá-la ou mesmo vendê-la.

Se tivesse grana suficiente, faria como o José Mindlin que construiu uma casa só para guardar seus livros e criou uma fundação para que o governo mantenha sua biblioteca após sua morte.

Possuímos no ICBS um bom acervo sobre a Amazônia. Na revista Rolling Stone de outubro de 2008, numa reportagem sobre a Cidade Fantasma de Fordlândia, o repórter que escreveu a matéria, e que visitou o ICBS, diz que possuímos a “mais invejável fonte de arquivos sobre Fordlândia do Brasil”.

Lógico que o Daniel Augusto exagerou na afirmação, creio que seja porque ficamos amigos e tomamos umas boas geladas viajando pelo Tapajós. Mas, se for verdade, quem sabe um dia não aparece alguma instituição, de preferência santarena, interessada na manutenção desse acervo?

O que mais sobre a Biblioteca?
Acredito que vale a pena falar um pouco da nossa história: A Biblioteca Boanerges Sena foi criada em 1981 e registrada no Conselho Regional de Biblioteconomia – 8ª Região, em 1986, sob o número 114. Tornou-se de Utilidade Pública em novembro de 1994, quando a Câmara Municipal de Santarém aprovou o projeto da vereadora Socorro Pena, sendo o mesmo, em janeiro de 1995, transformado na Lei de n.º 15.395/95 pelo prefeito Ruy Imbiriba Corrêa. Nesse mesmo ano fundamos o Instituto Cultural Boanerges Sena, que abriga a Biblioteca Boanerges Sena.

Além daquilo que já comentei anteriormente, o ICBS possui também uma vasta videoteca com mais de 100 fitas de vídeo, onde parte registra depoimentos e testemunhos de personalidades que fazem parte da história santarena. Dentre eles posso citar Dom Tiago, Ubaldo Corrêa, Agapito, Arara, Laudelino Silva, Isoca, Emir, Dororó, Zeca BBC, Balão, Cecebuta, Eymar Franco, seu Gualberto Dutra. A esses depoimentos colhidos a partir de 1988 dei o nome de “Projeto Memória Santarena”, que pretendo transformá-los em livro, iniciando com o Zeca BBC ainda em 2010.

Postado por Manuel Dutra às 09:02 

Marcadores: Amazônia/ICBS




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