A segunda emissora de rádio fundada no Pará foi a Rádio Clube de Santarém e não a Marajoara, como se lê no texto de José Carneiro, em O Liberal de 25 de maio passado, com base nas informações do livro de Ruth Vieira e Fátima Gonçalves, intitulado “Ligo o Rádio para sonhar”, publicado em 2003. A Marajoara foi inaugurada em 1954, segundo a mesma obra. A ZYR-9, Rádio Clube de Santarém, foi instalada seis anos antes, em 1948, pelo intelectual Jonathas de Almeida e Silva, por ocasião dos festejos do centenário da elevação de Santarém à categoria de cidade. Em 2008, portanto, a emissora santarena completa 60 anos.
Nos festejos do centenário (que coincide com o de Manaus e Cametá: as três vilas de então foram elevadas à categoria de cidade pelo mesmo ato do governo da Província do Grão-Pará), uma das primeiras transmissões da Rádio Clube de Santarém foi uma partida de futebol entre a Seleção local e o Paysandu, que perdeu por 2 a 1. Esta primeira transmissão esportiva do rádio santareno teve como locutor Elias Ribeiro Pinto, então secretário municipal, mais tarde prefeito e deputado estadual.
O quase esquecimento da data ou a ausência de comemorações se deve, em grande parte, às transferências de propriedade da empresa, hoje pertencente ao ex-deputado Nivaldo Pereira, e com o nome de Rádio Ponta Negra, rebatismo que nunca deveria ter ocorrido. Portanto, é insubsistente a afirmação do referido livro de que “até 1954 a Rádio Clube (a PRC-5) reinou sozinha no Pará”. Reinou sozinha em Belém, isso é fato, mas não no Pará. Aliás, não só no referente ao rádio, mas praticamente todos os eventos históricos ou contemporâneos verificados na capital são nomeados como sendo “do Pará”.
A emissora santarena foi, provavelmente, a terceira estação a ser instalada na Amazônia, três anos após a inauguração da Rádio Baré, de Manaus. Por falar em Manaus, vem de lá o único livro consistente sobre a história do Rádio na Amazônia, sob o título “O Rádio no país das amazonas”, escrito por Luiz Eugênio Nogueira, produto de sua dissertação de mestrado submetida em 1998 à Escola de Comunicações e Artes, da USP (o conhecimento sobre a Amazônia se produz em São Paulo!), sob a orientação de Gisela Swetlana Ortriwano, grande pesquisadora do Rádio no Brasil, falecida precocemente em 2003. É óbvio que o trabalho de Luiz Eugênio Nogueira enfatize o rádio no Estado do Amazonas.
Das quatro emissoras existentes hoje em Santarém, em estações de FM, OM e OT, a segunda mais antiga é a Rádio Rural, fundada em 5 de julho de 1964, festejando este ano seus 44 anos. Estes dados não constam dos textos sobre a “história do rádio no Pará” que já vi, alguns deles circulando na internet. Uma dívida não só das escassas iniciativas de pesquisa sobre a história do Rádio em Belém, como uma dívida ainda a ser saldada pelos próprios santarenos, que não se interessam pela pesquisa do rádio nem por qualquer outra forma de pesquisa, a despeito de Santarém dispor hoje de um aglomerado de instituições universitárias (UFPA, há 25 anos), a UFRA, a UEPA, a ULBRA (há mais de 20 anos), a FIT (20 anos) e o IESPES).
Quem quiser saber do rádio em Santarém ou de diversos outros assuntos referentes à economia, à sociedade, à agricultura, ao meio ambiente, à cultura, etc. tem que se dirigir a uma instituição privada, o Instituto Cultural Boanerges Sena, dirigido por um engenheiro florestal, Cristovam Sena, que ultrapassou os estreitos limites “técnicos” de sua profissão para se tornar um humanista interessado por sua terra e frustrado pela pouca procura de seu acervo de documentos, muitos dos quais possíveis de reconstruir a história de Santarém e do Baixo Amazonas, em muito capazes de esclarecer pontos cinzentos da história recente e menos recente da Amazônia.
Há instituições de ensino superior na região que montam seus planos de curso com base no surrado CtrlC/CtrlV de matrizes curriculares que pululam na internet, deixando a seriedade científica e pedagógica de lado para estabelecer planos de ensino copiados e mal adaptados às realidades locais e regionais, como se essas instituições se localizassem em outro planeta. Não se dão conta, ou não querem perceber que, se a ciência é universal, os problemas e objetos de estudo e pesquisa têm lugar e data de ocorrência, sendo portanto, nesse aspecto, particulares, sobretudo na Amazônia tão carente de produção de conhecimento, ao contrário da fúria bacharelesca de se formar “profissionais” para um “mercado” que mal sabem definir.
Talvez por isso esteja havendo júbilo com a proposta de “um ITA para o Norte”, cuja sede seria Santarém, às vésperas de se instalar a Universidade Federal do Oeste do Pará, a UFOPA (que sigla!?), com investimentos de 30 bilhões de reais para as pesquisas de que, realmente, a Amazônia necessita para fazer parte do mundo contemporâneo. E, se a UFOPA (!!?) vier, como parece, igualzinha às demais universidades federais da região, para que servirá? Para botar no “mercado” mais bacharéis, administradores, “turismólogos”, “comunicólogos” e assemelhados, capazes, quando muito, de aplicar conceitos (pseudo-)científicos mal compreendidos, extraídos de compêndios nascidos nos centros hegemônicos do saber e do poder, produzidos para as realidades de “lá” e não para as de “cá”? Júbilo deveria existir se as instituições já instaladas na região se dessem conta de que cabe a elas a pesquisa. Mas, como num velho refrão, o que vem “de fora” sempre “é melhor”!
Como se percebe, da história não contada do Rádio no Pará podemos partir para inúmeras outras formas de desconexão de Belém com o restante do Estado. E da desconexão da pesquisa com o chão em que deveriam pisar não simples “acadêmicos” diplomados em dias de festa e beca preta que se mostra mais importante do que o conhecimento supostamente simbolizado na veste talar, quando a importância deve estar na pesquisa e na sua aplicação às realidades sociais que necessitam ser transformadas.
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