No dia 16 de novembro de 1992, uma 2ª feira, participei de reunião organizada pela Embrapa, no Tropical Hotel. Fui representando a Emater. Presentes técnicos do ICRAF - Centro Internacional para Pesquisa em Agrossilvicultura (organização do Nairóbi/Quênia); CIAT - Centro Internacional de Agricultura Tropical (organização da Costa Rica), e alunos da Universidade da Carolina do Norte e da Flórida. Além das instituições locais ligadas ao setor agrícola.
O motivo da reunião era a escolha de uma área para trabalhar com agricultura à nível familiar, em 1993. Como os alunos das universidades queriam conhecer um pouco da nossa cultura, no intervalo do almoço, em companhia do amigo Luciano Marques, engenheiro florestal da Embrapa, levei-os até a Casa da Cultura e ao atual museu João Fona, instalado na antiga Prefeitura.
Na Casa da Cultura fiquei conhecendo uma tela pintada pelo Elias do Rosário, o Lili, retratando a frente da cidade na década de 1930, na sua parte mais central e ribeirinha. Tamanho painel, medindo 4,80 metros de comprimento por 0,90 de altura. Assinada e datada pelo artista: 1992.
A obra de arte estava jogada no canto de uma sala do prédio, apresentando sinais do estrago que o abandono vinha lhe provocando. No outro dia fui procurar o pintor em sua residência para conversar sobre a tela. Saber porquê estava abandonada, se deteriorando pela incúria de quem não dava valor ao trabalho do artista, por desconhecer o valor do que tinha sob sua guarda.
Lili informou que a tela já tinha ido a Belém em 1987 para uma exposição no CENTUR - Centro Cultural Tancredo Neves. E que não queriam devolver a tela porque o diretor do Centro Cultural, Euler Arruda, dizia que ela representava a história de Santarém, uma cidade do estado do Pará. Depois de uns quatro meses, mais ou menos, Lili pressionou o secretário de cultura de Santarém, Ednaldo Mota, que entrou em contato com o Euler e a tela foi devolvida.
Veio num barco em cima do toldo, mal embalada, por isso chegou amassada. Lili precisou recuperar os danos que a tela sofreu e fez alguns acréscimos na pintura. Em 1992 foi novamente cedida para uma outra exposição, agora em Santarém, na Casa da Cultura. Pendurada na parede, sofreu com as goteiras do prédio e dejetos de morcegos. Como estavam demorando a devolver, ele foi até a Casa da Cultura e constatou o estado lastimável em que se encontrava a tela. Chamou um rapaz, se identificou como dono do quadro e pediu para retirá-lo da parede, estava suja e danificada por trás. Arriou e deixou para apanhá-la depois.
A tela encontrava-se nesse estado quando fui conversar com o Lili em sua residência. Mostrei interesse em adquiri-la. Ele disse que a prefeitura, através do Emir Bemerguy, tinha também mostrado interesse em ficar com a tela. Fui conversar com o Emir, fiquei sabendo que o prefeito Ronan Liberal tinha desistido do negócio.
Perguntei o preço, ele falou em 15 milhões de cruzeiros, equivalente nessa data a 1.200 dólares. Falei que esse valor era para a prefeitura, e ele cortou pela metade, pra mim ficava por 7 milhões e 500 mil cruzeiros. Ainda era pesado para caber no meu orçamento doméstico. Mesmo assim fechamos negócio. Tufei o peito e disse: a obra é minha! Prometi pagar antes do natal.
Consegui um carro e fomos buscar a tela da Casa da Cultura para o seu ateliê. Garantiu entregar em uma semana, precisava providenciar uma limpeza geral e impermeabilizá-la.
Tudo certo com o Lili, precisava agora bolar uma saída para conseguir o dinheiro e pagar o artista. Estávamos chegando ao final do ano de 1992. Resolvi então criar um condomínio e dividir os 7,5 milhões de cruzeiros com 19 amigos. Comigo o condomínio fecharia com 20 compradores. 375 mil cruzeiros para cada condômino.
No dia 19 de dezembro, um sábado, às onze horas, o Dr. Fernando Branches, colega de Dom Amando, veio em casa para reproduzir um programa Globo Ecologia. Programa sobre a contaminação mercurial no Rio Tapajós, onde o Branches era entrevistado. Aproveitei a oportunidade e vendi ao amigo a primeira cota do quadro do Lili. Agora só faltavam dezoito.
De noite fui com a família para a confraternização dos peladeiros da COSANPA, ainda não existia Campo Novo, e completei os 18 com a turma de amigos peladeiros e convidados. A idéia foi aceita prontamente por todos que eu abordei. Foi mais fácil do que eu imaginava. Na segunda-feira comecei a cobrar os sócios do condomínio. Pagaram sem conhecer o que estavam adquirindo, confiando somente na palavra do vendedor. A tela é digna de qualquer museu do mundo.
Como combinado, antes do natal paguei o Lili e a tela foi entronizada na Biblioteca Boanerges Sena, atual ICBS. O próximo passo foi preparar o vernissage para apresentar a tela aos sócios, com direito a cerveja e salgadinho.
Apanhei a documentação de todos eles e entreguei ao sócio advogado Miguel Borghezan que preparou o "Contrato de compra e venda de obra de arte, em condomínio". Como testemunha da negociação convidei Emir Bemerguy e Wilson Fonseca, o que valorizou sobremaneira o histórico documento. Os vinte assinaram, e a papelada foi registrada em cartório.
O vernissage aconteceu no dia 28 de maio. Festa bonita e emocionante pra mim. Convidei os quatro jornais da cidade, o Secretário de Cultura, Laudenor Albarado (que justificou a sua ausência), e o Prefeito Rui Corrêa, que por motivos diversos não compareceu. Onze dos sócios estiveram presentes. Lili levou três quadros seus para expor e ofertou-me um pintado pelo João Fona datado de 1930. Quadro pequeno, pintado na madeira, retratando a Praça da Matriz.
Emir foi o mestre de cerimônia. Lili discorreu sobre a sua criação, da ideia inicial até a última pincelada; Isoca detalhou a Santarém daquela época (década de 20/30) e eu expliquei a compra do quadro.
A surpresa da noite foram as doações. Destaco os originais do livro Tupaiulândia, do Paulo Rodrigues dos Santos, e uma série de fotografias antigas, doação do Emir e do Isoca, respectivamente. Senti um nó na garganta no momento das doações, pelo o que elas representaram para a biblioteca e pelos doadores. Foi o reconhecimento de um trabalho longo e dedicado que realizamos em família: Rute e eu.
Paulo Melo, Wilson Luis Ferreira, Wsnand Ribeiro dos Santos, Antônio Jorge Hamad, Eduardo Pinheiro, José Carlos Merabet, Hoyama Miranda, João David Miléo Câmara, Vicente Miranda da Silva, Waldomiro Carvalho, Celso Matos, Emanuel Júlio Leite, Fernando Branches, Miguel Borghezan, Orlando Rui Serique, Raimundo Ivan Vasconcelos, Rodolfo Hans Geller, Humberto de Abreu Frazão Neto, João Tavares da Silva. Os 19 amigos que fazem parte do condomínio cultural que acredito seja uma ação inédita no Pará - quiçá no Brasil. Um grupo de amigos se reunir para adquirir uma obra de arte.
Desses, dois já nos deixaram: Fernando Branches e Raimundo Ivan Vasconcelos.
Dentre os convidados compareceram: Maestro Isoca, Emir Bemerguy, Wilde Fonseca e Madalena, Elias do Rosário e esposa, Celivaldo e Abgail, meus compadres Ludovico e Ana, saudoso João Sena, Jota Ninos, Raul Loureiro, Adil Colares, Edson Ferreira, Ricardo Nunes e esposa.
No final a cerveja rolou até as duas e meia da manhã. Jota Ninos gravou em fita cassete com os sócios e convidados, pena que não consegui recuperar o áudio.
O jornalista Manuel Dutra escreveu um artigos sobre essa nossa iniciativa, no jornal Liberal, que repercutiu em Santarém e Belém. O deputado Aldir Viana (PSDB) solicitou na Assembléia Legislativa que me fosse concedido o título de Honra ao Mérito, e o prefeito Ruy Corrêa agraciou-me com a Medalha João Felipe Betendorf, a mesma que meu dileto amigo Hoyama Miranda recebeu agora, dia 21 de junho.
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