Emir: pescador de almas e tucunarés - 22.07.2016


Morávamos nos arredores do Morro da Fortaleza.

Passei a conhecer melhor o Emir Bemerguy quando retornei de Belém no início de 1979. Neste mesmo ano participei de um cursilho de cristandade em Emaús, ele foi um dos palestrantes. No dia 26 de maio a TV Tapajós foi inaugurada em Santarém, nesse início, aos domingos, às dez da manhã, acontecia a celebração da Santa Missa. Emir foi convidado pelo deputado Ubaldo Corrêa para participar das liturgias como comentarista.

A inauguração da TV Tapajós ocorreu num sábado. No domingo, 27/05/1979, acontecia a primeira missa na TV Tapajós que Emir assim descreveu no seu livro editado pelo ICBS em 2000, "Diário de um convertido": Frei Ricardo Duffy, Irmãs Lina e Mônica, o noviço franciscano Tancredo, Cristovam Sena e eu constituímos a equipe estreante, a primeira que ingressava nos sofisticados estúdios da moderníssima estação, após o festivo ato inaugural... Obrigado, Senhor! Que essa abertura dos programas rotineiros com a Santa Missa haja atraído tuas bênçãos sobre esse arrojado empreendimento!

A partir daí nossos encontros e conversas ficaram mais frequentes. Passei a acompanhá-lo como poeta e articulista nos jornais de Santarém e no O Liberal de Belém. Guardo no ICBS uma pasta com boa parte dos seus escritos, inclusive o que deu origem à polêmica que travou com o articulista do O Liberal, João Malato, intitulado Semeando ventos..., de 25/06/1978.

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Quando em 1988 idealizei o Projeto Memória Santarena, com o objetivo de consolidar a memória da cidade e partir para a construção da sua história oral, foi nele que pensei para participar como entrevistador dos personagens selecionados. Emir efetivou comigo onze entrevistas: mecânico Zeca BBC, músico Wilson Fonseca, médico Aloísio Melo, professora Sófia Imbiriba, artesã Dica Frazão, maestro Wilde Fonseca, pescador Alberto Dizencourt e  os políticos Ubaldo Corrêa, César Sarmento e Edson Serique. É até hoje nosso maior colaborar no Projeto Memória Santarena.  

Quando chegou a vez de Emir ser o entrevistado, preferi eu mesmo ser o entrevistador. No dia 25 de novembro de 1992, em sua residência, tendo como fundo musical os estridentes e repetitivos trinados de uns coloridos periquitos australianos engaiolados, ele prestou seu depoimento. Como bom memorialista, teve o cuidado de preparar seu gravador e registrar tudo em fita cassete, devidamente guardadas em valioso arquivo que organizou em sua casa. Falou de tudo um pouco: Família, odontologia, religião, amizades, magistério, política, fé, pescaria... Estava de bom humor e se divertiu durante a entrevista, mas aparentava preocupação com o tempo, pois falava e olhava para o relógio, deixando a impressão que precisava sair para participar de outra atividade com hora marcada. Em 1976, em versos, Emir já falava desse seu hábito de fiscalizar o relógio a todo instante:

Às carreiras eu passo pela vida ...

Meu relógio consulto a todo instante...

Sou afobado, elétrico nervoso:

Tudo o que faço é sempre galopante...

Fã ardoroso do maestro Isoca e o do historiador Paulo Rodrigues dos Santos, com os dois amigos Emir produziu extensa obra literária e musical. Com o maestro possui em parceria mais de 600 composições, com o historiador, que Emir considerava um dos quatro maiores poetas de Santarém, ao lado de Felisbelo Jaguar Sussuarana, Padre Manoel Albuquerque e Silvério Sirotheau Corrêa, conseguiu os originais do seu livro Tupaiulândia para que suas páginas fossem datilografadas e preparadas para impressão. Depois de intensa luta através da imprensa, Emir conseguiu sensibilizar o Governador Fernando Guilhon que autorizou a edição do livro. Em agosto de 1971 acontecia o lançamento de Tupaiulândia. Em 1974, ainda no governo Fernando Guilhon, saiu a segunda edição e em 1999 o ICBS protagonizou sua terceira edição. Todas esgotadas. 

Emir mantinha guardadas as duas pastas contendo os originais de Tupaiulândia, presente do velho amigo Paulo Rodrigues dos Santos. Durante o depoimento afirmou que não sabia qual seria a destinação final das duas pastas que ele preservava com carinho em seu arquivo. Referindo-se ainda aos originais ele disse: "Eu acho que dentro de tudo que eu tenho de histórico, nada para mim tem o valor dos originais de Tupaiulândia".

Pois um dia, por ocasião do vernissage de uma tela do Elias do Rosário realizado no ICBS, em que ele foi o mestre de cerimônia, Emir surpreendeu ao presentear-me as duas pastas contendo os originais de Tupaiulândia. Na primeira estava a dedicatória:

"Para a Posteridade: - No dia 21 de maio de 1993, ofertei estes Originais de Tupaiulândia ao meu grande amigo Cristovam Sena, como reconhecimento e estimulo a seu preciosíssimo trabalho de preservação da memória santarena. Sabe Deus quanto me custa alienar a mais valiosa relíquia de meu arquivo. Consola-me a certeza de que ela fica em mãos abençoadas. Emir Bemerguy".

Através do ICBS editamos três livros do Emir Bemerguy: Diário de um convertido (2000); Santarém momentos poéticos (2007); e Santarenices, coisas de Santarém (2010). Antes já tinha sido publicado Aquarela Mocoronga (1984), edição patrocinada pelo seu amigo empresário André Teixeira, e Antologia dos poetas Santarenos (1998), livro organizado por ele.

Duas obras póstumas já foram editadas: Maromba, romance regionalista (2013) e Enquanto eu me lembro, livro memorialístico (2014).  Em seus arquivos ainda existe material para a edição de uma inédita série de livros.

Emir faleceu aos 79 anos, no dia 13 de novembro de 2012. Emir Bemerguy Filho, que reside em Belém, inaugurou logo após sua morte o blog "Saudade Perfumada"  (http://bemerguyemir.blogspot.com), onde diariamente, em conta-gotas, vinha publicando os textos do pai. O título do blog, é também o de um dos poemas que Emir dedicou a sua filha Telma Suely, que faleceu tragicamente no dia 08 de abril de 1978, antes de completar seus 15 anos.

Em 2013 transcrevemos a entrevista que fiz com ele em 1992 e editamos pelo ICBS o livro: "Emir: pescador de almas e tucunarés", 4º volume do Projeto Memória Santarena.

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