Meu amigo Padre Sidney Canto, jovem e dinâmico historiador que idealizou em 2012 o Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós - IHGTap, sendo seu primeiro presidente, trouxe à tona, como sempre acontece por ocasião do "Çairé", a discussão sobre a grafia do nome da festa.
No dia 17 de setembro, no seu blog, Padre Sidney afirma que foi obrigado a falar desse assunto devido a perguntas que lhe fizeram pelo whatsapp, onde algumas pessoas o questionaram sobre a sua correta grafia. Para responder aos seus inquiridores, ele invoca seu livro “Alter do Chão e Sairé: Contribuição para a história”, editado em 2014 pela Gráfica Tiagão.
Um anos antes, em 2013, ele já tinha lançado o livro "Santarém outras histórias", editado também pela Gráfica Tiagão. no qual dedica um capítulo à festa de Alter do Chão: "Curiosidades sobre o Sairé", onde questionava a grafia da palavra.
Num dos trechos do capítulo ele indaga:
"E a grafia? É com “S” ou “Ç”?"
Em seguida acrescenta:
"A problemática de como se escreve a palavra Sairé não é moderna. Sobre a grafia na língua geral dos índios, passo a transcrever o que diz Ermano Stradelli em sua Gramática de Nheêngatú, publicada em 1928 na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro:
“O Nheêngatú ou língua geral se escreve foneticamente com 19 letras, a saber: A,B,C,D,E,F,G,H,,K,M,N,O,P,R,S,T,U,X,Y. Comparado ao alfabeto português faltam-lhe sete letras, isto é, Ç,F,L,J,Q,V,Z. O Ç profusamente empregado pelos nossos antecessores, é afinal um S, e a pronuncia de quem fala o nheêngatú, como língua aprendida dos lábios maternos, não autoriza a distinção de pronuncia que pressupõe o uso de sinais diferentes”.
E continua:
"Ou seja, para quem estuda e conhece o nheêngatú sabe que “Çairé” não existe, nem na língua geral nem como português exato. Mas em se tratando da língua tupi, a grafia é aceita, contanto que se escreva sublinhada, ou aspeada, ou entre aspas, ou em negrito. Aliás, essa introdução do “Ç” em forma inicial na língua tupi se deve ao naturalista Barbosa Rodrigues. Que a introduziu no final do século XIX. Ou seja as duas formas são corretas contanto que se usem as devidas referências preferenciais do termo, ou seja, se em português ou nheengatu, é com “S”, se na língua tupi, é com “Ç"!.
Tudo bem explicado!
No seu segundo livro ele informa que até 1872, Sairé se escrevia com “S” e confirma que quem colocou o “Ç” foi o botânico João Barbosa Rodrigues:
"Estando em Santarém, no mês de junho daquele 1872, o mesmo acompanhou a festa do Sairé que aconteceu no Bairro da Aldeia, na Vila de Santarém. Lá ele recolheu e fez uma bela descrição que ainda hoje é válida. No entanto, ao grafar o nome da festa, ele fez algo que até hoje é motivo dos calorosos debates acima citados".
Continua o padre: "João Barbosa Rodrigues achava que o nheengatu, falado no Pará, estava errado. Ele considerava como certo o tupi, falado pelos indígenas do sul do país. O que fez ele? Tirou o “S” da grafia nheengatu, falado pelos nossos antepassados e, como diz o nosso caboclo, “tacou-lhe” o “Ç”. O erro de Barbosa Rodrigues foi criticado por ninguém menos que José Veríssimo, membro fundador da Academia Brasileira de Letras (que grafava “S” no Sairé e fez uma bela explicação sobre o mesmo em sua obra)".
Finalizando, o padre diz que "O erro de Barbosa, publicado em suas obras, foi reproduzido por outros autores e, em 1997, um grupo de pessoas, que desconheciam a origem do “Ç”, orientaram o ex-prefeito Lira Maia a fazer a troca na festa de Alter do Chão. A partir daí o uso do “Ç” deixaria de ser uma questão de grafia e passaria a animar as disputas políticas em torno da festa..."
Eu, particularmente, prefiro os argumentos do padre contidos no primeiro livro, de que as duas grafias estão corretas. Fiz parte do grupo de pessoas que discutiram em Alter do Chão, no início de abril, a organização da festa de 1997, quando ocorreu mudança de data (de julho para setembro) e da grafia da palavra. A introdução do "Ç" foi sugerida e argumentada pelos artistas plásticos Laurimar Leal e Renato Sussuarana, membros da Academia de Letras e Artes de Santarém. Mudanças aprovadas com participação de lideranças comunitárias e pessoas ligadas às instituições do governo municipal: coordenador de cultura Hélcio Amaral, de turismo Emanuel Júlio e outros que não lembro o nome agora.
Quando o Padre Sidney afirma que "um grupo de pessoas, que desconheciam a origem do “Ç”, orientaram o ex-prefeito Lira Maia a fazer a troca na festa de Alter do Chão", fica a impressão de que, para ele, tudo foi feito na base do improviso, sem conhecimento de causa de quem sugeriu e aprovou a idéia da substituição do "S" pelo "Ç". O que acredito que não tenha sido a intenção do sacerdote.
Vocês não imaginam a repercussão que deu a simples troca do “S” pelo “Ç” em 1997. Recebi vários telefonemas de curiosos querendo saber a razão da mudança, até mesmo da TV Cultura da capital do estado. O desengonçado “Ç” estava cumprindo o seu papel de dar à festa uma marca forte, reconhecida, era o marketing funcionando à pleno vapor, dando visibilidade ao produto.
E quando utilizado assim, como bem explica Felisberto Sussuarana, irmão do Renato e filho do Felisbelo Sussuarana, no seu livro “Amazônia: Tapajônia: Santarênia”, editado pelo ICBS em 2000: "O “Ç” do “Çaire” significa a especial festa de Alter do Chão, inconfundível como marca e como realização. Enquanto o “S” do “Sairé” será a cerimônia em si, que pode ser realizada em qualquer lugar do planeta".
Poucos questionam a introdução da dança dos botos e apresentações de artistas que não tem nada a ver com seu original significado. Preferem discutir a dança das letras. Para 2017, sugiro que as discussões passem a ser em torno do formato e conteúdo da festa. Discutir a mistura de cultura (que necessariamente não precisa dar lucro e deve ser bancada pelo governo) com entretenimento (que deve ficar sob a responsabilidade dos promotores de eventos).
Separar os botos do "Çairé" deve ser medida a ser tomada. O "Çairé" possui luz própria. Há espaço, público e calendário disponíveis em Alter-do-Chão para as duas festas.
O "Çairé" já foi festejado em junho, julho, setembro e dezembro. Mudar mais uma vez não se estará ferindo a sua tradição.
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