"Entrevista apressada" - 01.10.2016


Até 1966 as jovens santarenas eram impedidas de estudar no Colégio Dom Amando, fundado pelos Irmãos da Santa Cruz em 1943. Para elas a opção era o Colégio Santa Clara das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição, fundado três décadas antes, em 1913.

No colégio das irmãs eram matriculadas no Curso Normal, também conhecido como Pedagógico, ficando habilitadas para o magistério. Na prática, única alternativa para a futura carreira profissional. Vestidas de azul e branco enfeitavam as ruas da pacata cidade, com população urbana de 67 mil habitantes. Medicina, engenharia ou outra profissão qualquer, nem pensar!

A situação começou a mudar em 1967 quando o Dom Amando, a título de experiência, resolveu formar turmas mistas e, segundo o historiador Wilde Fonseca, no seu livro "Pequena história da Congregação de Santa Cruz" editado em 1992, fruto de insistentes apelos da Dona Marita Lobato Gentil, que tinha seis filhas e queria que tivessem oportunidade de respirar novos ares fora do magistério. O que acabou acontecendo com todas elas. Terminado o científico no Dom Amando as jovens seguiam para o vestibular em Belém. Ficavam as que não tinham condições de se manter na capital.

Em agosto de 1985 circulou pela cidade carta do diretor do ISES - Instituto Santareno de Ensino Superior, Luiz Antônio Campos Corrêa, dirigida aos jovens santarenos:

"Você está participando de um momento histórico na vida de nossa cidade, candidatando-se a uma das vagas do primeiro Curso Superior do Instituto Santareno de Ensino Superior para Ciências Contábeis, que foi autorizado pelo Decreto de Nº 91.512 de 07 de agosto de 1985 do Exmo. Sr. Presidente da República".

Em seguida ele falava do resultado do vestibular, matrícula dos classificados e finalizava chamando atenção: "Os candidatos classificados, no momento da matrícula, doarão como trote, um valor de R$ 20.000,00 o qual será destinado à compra de livros para a biblioteca do ISES." - Na época, 1985, nossa moeda era o cruzeiro.

O diretor exagerou um pouco no seu texto. Antes do ISES, em 1971/72, a UFPA iniciou o processo de interiorização dos Cursos de Graduação em Santarém. A euforia do momento histórico perdoa o lapso do pioneirismo dos cursos ISES atribuído pelo Luis Antônio.

Era bimensal o "Informativo ISES", periódico que divulgava notícias do educandário. Em novembro/dezembro de 1988 circulou o Nº 09, edição especial para homenagear as turmas pioneiras da instituição. 
Em quatro páginas, o informativo trazia em duas delas as fotografias dos formandos em Administração de Empresas e Ciências Contábeis. Dentre eles cito alguns conhecidos: Waldomiro Carvalho, Nilce Vinholte, os irmãos Miguel e Jefferson Miranda, Manuel Cornélio Campos Corrêa (falecido), Cláudia Vasconcelos, Luiz Carlos do Vale, Edme Tavares, Neuba Marinho, Roberto Lavor, Clóvis Bandeira, e João Elias Bentes (recentemente falecido).

O diretor Luiz Antônio Corrêa em artigo intitulado "A era da incerteza", referindo-se ao livro do economista Kenneth Galbraith, em que procurava antever o que iria acontecer após o ano 2000, assim se dirigiu aos formandos:

"Transfiro as ansiedades de Galbraith para o vindouro 1989, às portas. Temos uma constituição nova, mas emperrada, faltando muito para que funcione e melhore a qualidade da vida nacional. Vemos uma economia brasileira em crises graves e contínuas, uma desordem política e sindical, uma séria carência de comando".
"Quem dará jeito nisso, quem saberá reverter essa era de incertezas? Os tecnocratas? Os políticos? A sociedade?"

E prossegue: "Os políticos têm poder, mas costumam usá-lo em proveito próprio, com honrosas exceções. Vocês, formandos do ISES, são parte integrante da sociedade. Têm o privilégio da instrução, do discernimento intelectual. Cabe-lhes, portanto, agir e agir depressa, com o entusiasmo, as energias e as esperanças da juventude. Empenhem-se, para valer, nessa luta nobre para mudar uma situação adversa, para tirar das almas o temor, a ansiedade ante uma era de incertezas".

Pelo conteúdo da fala do diretor, passados 28 anos, poderia ser dirigida aos formandos de 2016, das mais de quinze faculdades presenciais e à distância que funcionam atualmente em Santarém, que continuaria coerente com a realidade do momento.

Na última página do Informativo está a entrevista de dois formandos: Neuba Figueira, de Ciências Contábeis, e Luiz Lima do Vale, de Administração de Empresas. Na época duas cabeças com pensamentos bem diferentes. Ela pacifista, resignada, natural do Lago Grande; ele socialista revolucionário, natural de Cascavel no Ceará. Os dois foram os primeiros alunos de suas turmas, e expõem seus pontos de vista sobre a vida, a política, religião, no bate-papo intitulado "Entrevista Apressada", aqui resumida:

1- Se o ISES não existisse, onde andaria você?
Neuba: Por aqui mesmo, acalentando o sonho de, um dia, ingressar numa Faculdade. Por uma razão muito forte, jamais eu quis deixar Santarém.
Luiz: O verbo “Andar” está conjugado no tempo errado. Eu já andava no Núcleo da UFPA, em Santarém, cursando Pedagogia, antes de o ISES existir. A UFPA, de fato, chegou primeiro a esta cidade.
2 - Deus entra em sua vida?
Neuba: Acredito que seja o meu melhor amigo, com quem sempre partilho os bons e maus momentos de minha vida.
Luiz: Deus é uma palavra ideológica do mundo capitalista. Estou falando do Deus professado pelos padres tradicionalistas católicos e pelos protestantes. Mas Deus está renascendo com a Igreja progressista, de Frei Leonardo Boff.
3 - Formando-se agora para onde vai?
Neuba: Permanecerei aqui em Santarém, procurando, através do meu trabalho, honrar o diploma que estou prestes a receber.
Luiz: Eu fico. Não seria interessante nada oferecer a esta terra que tanto me deu. Cada santareno que lá fora se formasse, deveria voltar para cá. É assim que se faz no Japão.
4 - Como situa o ISES dentro da realidade santarena?
Neuba: Como um sinal de progresso, que veio atender aos anseios das famílias locais. A adesão é quase total.
Luiz: É muito importante que o ISES ganhe credibilidade como instituição de ensino superior. Com isso, crescerá Santarém, que se transforma sempre, não pára no tempo. O ISES faz parte desse dinamismo.
5 - Um diploma de curso universitário é essencial neste mundo?
Neuba: Não é essencial, mas muito importante: quanto mais se tem, mais se pode dar para que o mundo fique melhor.
Luiz: Não. O mercado de trabalho está inundado de profissionais e a maioria não vem sendo aproveitada. Poucos diplomados, em verdade, têm competência para exercer a profissão em que se graduaram.
6 - E o Brasil, tem jeito?
Neuba: Tem, embora a longo prazo. Basta que a classe política leve mais a serio a responsabilidade assumida como representante do povo, pensando menos em si e mais na melhoria coletiva.
Luiz: Continuamos a sofrer com este sistema colonial e escravagista que é o capitalismo. Tenho a certeza de que a saída é o socialismo.
7 - Como viu as eleições em Santarém?
Neuba: Até que enfim, pessoas capacitadas resolveram candidatar-se. Pena é que a seleção dos eleitos não foi completa. Se os que votaram em branco tivessem mais responsabilidade....
Luiz: O povo santareno tornou a cair no “Conto” das raposas velhas... Perdeu-se uma grande oportunidade de mudança qualitativa na Administração pública de Santarém. Nas próximas eleições, o povo saberá corrigir o erro.

Amanhã acontece eleições para prefeito e vereadores. Iremos eleger os candidatos capacitados que a Neuba Figueira afirma que resolveram se candidatar, ou iremos cair no “Conto” das raposas velhas do Luiz do Vale?

Vai depender dos nossos dedos!


        


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