“O QUADRADO TRÁGICO DA AGRICULTURA FAMILIAR”
Meus amigos, sempre que participo de algum treinamento com os pequenos agricultores da região, tenho a curiosidade de colher informações, através de um questionário, sobre como vive e produz alguém que está inserido na unidade produtiva da agricultura familiar. As perguntas vão do sistema fundiário à organização do trabalho; relações de poder na comunidade; produção, processamento e comercialização; aspectos culturais; alimentação e saneamento básicos, etc.. Peço ainda que escrevam os cinco principais problemas da sua comunidade e da sua propriedade, como também quais as soluções que eles propõem para resolvê-los.
Hoje, fazendo um balanço das respostas desses questionários que envolvem produtores do Planalto Santareno, Eixo Forte e das Várzeas do Médio Amazonas, chego à conclusão de que há um evidente e crescente desequilíbrio entre as múltiplas e urgentes necessidades de milhares de agricultores, os quais com todo o direito exigem assistência técnica, capacitação, pesquisa, irrigação, insumos modernos, mercado, crédito, preços mínimos, subsídios, etc., e a decrescente possibilidade dos negligentes governos em satisfazê-las.
Vivendo com baixa renda familiar e em áreas cada vez menores, esses produtores plantam predominantemente mandioca e têm no Sindicato e nos atravessadores seus maiores parceiros. Fatalistas e alinhados ideologicamente, ao Sindicado entregam suas esperanças de uma vida melhor, ficando aos atravessadores a tarefa de comercializar a maior parte do pouco que conseguem produzir. Produção conseguida à base do machado, do fogo, da enxada e do terçado, o “quadrado trágico” da agricultura familiar que os acompanha há pelos menos três séculos.
No início de janeiro passei uma semana em treinamento com um grupo de produtoras que comercializam na Feira do Produtor Rural, que funciona ao lado do Mercadão 2000. Todas com propriedade na região do Eixo Forte, produzem e vendem farinha, tucupi e tapioca. Treinamento patrocinado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (PRONAF), através da Caixa Econômica.
A realidade que brotou através do depoimento das participantes é cruel. Hoje elas não conseguem mais produzir nas suas propriedades a matéria prima (raiz da mandioca) para ser processada e transformada em farinha, tucupi e tapioca, já precisam comprar a raiz se quiserem vender esses produtos na Feira do Produtor. Nem mesmo plantar mandioca é possível, pois não existe maniva suficiente e de boa qualidade para ser plantada por quem deseja cultivar a mais difundida e tradicional das culturas brasileiras.
Isso sem falar na baixíssima e vergonhosa produtividade da cultura na região, chegando a números inferiores a 10 toneladas de raiz por hectare, o que elimina qualquer possibilidade de tornar a atividade lucrativa, fruto de um processo rudimentar de produção, com instalações inadequadas de beneficiamento (madeira, palha e chão batido) e equipamentos rústicos que nos remetem ao tempo dos índios tupaius, como é o caso do tipiti, utilizado ainda hoje por uma boa parte delas. Esse arcaico sistema de produção se traduz num enorme desgaste humano, sem a devida e justa compensação financeira que o dispêndio físico deveria proporcionar.
De acordo com a Secretaria de Agricultura Familiar, aproximadamente 85% do total de propriedades rurais do Brasil pertencem a grupos familiares. São 13,8 milhões de pessoas em cerca de 4,1 milhões de estabelecimentos familiares, o que corresponde a 77% da população ocupada na agricultura. Cerca de 60% dos alimentos consumidos pela população brasileira e 37,8% do Valor Bruto da Produção Agropecuária são produzidos por agricultores familiares. Infelizmente, a agricultura familiar de Santarém com cerca de 15 mil propriedades rurais contribui muito pouco para a formação desses números apresentados pela SAF.
Devido a este crescente desequilíbrio entre as urgentes necessidades da agricultura familiar e a decrescente possibilidade dos governos, sou da mesma opinião daqueles que acreditam que o modelo atual que vem sendo utilizado para atender a agricultura familiar chegou a tal grau de esgotamento que já não é mais possível continuar com ele, simplesmente se faz necessário substituí-lo por uma estratégia que além de educar as famílias, consiga tornar as suas unidades produtivas economicamente viáveis. Mas isto é uma outra história!
Enquanto isso o planeta gira, e aqui na taba os grandes temas em discussão giram em torno do asfaltamento da BR e da PA, da expansão da fronteira agrícola, da soja, da criação do estado, do porto, das alianças políticas, do carnaval na orla, temas diversos que encobrem o drama de 15 mil famílias que vivem à margem da história sócio econômica de Santarém.
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