Tributo a um amigo - 24.02.2017


Tributo a um amigo

O tempo é de carnaval, de alegria, por isso resolvi escrever a respeito de um verdadeiro amigo que já se foi, afinal são poucos os que conseguimos conquistar durante a vida. 
E, pra mim, amigo é sinônimo de alegria.

Conheci o agrônomo Eymar Franco nos anos 80 do século passado. Eu, vinte e sete anos mais novo que ele. 
Tornei-me de imediato seu amigo, conquistado que fui pela sua conversa que exalava sabedoria e pela forma simples de viver.

Interessei-me em conhecer melhor suas experiências de vida. O convidei para participar do nosso “Projeto Memória Santarena”. 
Em novembro de 1988 colhi seu depoimento em vídeo sobre sua trajetória desde os primórdios na Casa Grande de Urucurituba, no Rio Tapajós.

Nesse período tomei conhecimento dos seus escritos em forma de diário, que ele teimava em esconder. Confidenciou-me que escrevera com a finalidade de não deixar morrer suas lembranças, transferindo aos filhos como fora sua vida, o que sentiu, o que amou, como era sua querida Urucurituba de outrora.

Reconhecendo o valor desses escritos, decidi que tinha a obrigação de tornar público suas memórias, pois traduziam com fidelidade uma parte da verdadeira história do Tapajós, relatos que davam bem a dimensão de uma época. 
 E assim nasceu “O Tapajós que eu vi”, primeiro livro do Eymar e do Instituto Cultural Boanerges Sena, inaugurando uma série de publicações da instituição, que já ultrapassa a casa das cinco dezenas.

Livro que ganhou o mundo e que mereceu elogios os mais variados, de gente que entende do riscado: 
“Eymar mergulhou no azul-esverdeado das águas do Tapajós para encontrar, lá no fundo, pessoas simples, gente comum, desprovidas de maiores esperanças nesses confins da Amazônia”. 
"Eymar navega pela memória como se descaísse de bubuia sobre o seu belo e amado Tapajós, rio de todos nós, matriz da nossa alma aquática, fluvial".

O convidava para nossas viagens a trabalho pela Emater. Foram horas de conversa ao sabor do vento, navegando pelos rios, furos e paranás da região. 
Participou do filme produzido pelo Marinho Andrade da Mixer, denominado Fordlândia. Ele tinha sido na década de 1980 administrador da primeira cidade empresa na Amazônia.

Em 2001, numa iniciativa da sua esposa Cecília, publicamos seu segundo livro, agora de poesias, “Devaneios”. 
Versos inspirados na década 1960, tempo em que Eymar morava no Rio de Janeiro e convivia com a eterna saudade do Tapajós, do seu entardecer, dos gritos das ariranhas que vinham brincar no porto em frente à Casa Grande de Urucurituba:
“Saudade por que vens? Por que vais? Quem sabe?”

“Devaneios” foi lançado no dia em que Eymar completou oitenta anos, 17 de setembro de 2001, e distribuído como brinde aos convidados.

Passados nove anos, Cecília nos procurou para editarmos “Elucubrações de um velho chamado Eymar”. 
O livro foi lançado no dia 17 de setembro de 2010, quando completava 89 anos. 
Chegou a vez de Eymar se mostrar filósofo, nos instigando a observar a vida em todas as suas dimensões, sempre com otimismo, transformando seu diário num verdadeiro tratado de filosofia.

“Sou um incorrigível sonhador! Sem sentir eu mergulho num sonho cheio de encantamento, no qual eu vejo todos os homens livres de seus fardos, vivendo como irmãos numa terra possuída por todos, da qual o mal, sob a forma de guerra, morticínios, fome, domínio, etc., tenha desaparecido para sempre.”

Continuava a ser o Eymar Franco que sempre admirei. O amigo que vi proceder sempre com sabedoria e reflexão, que conseguiu deixar nas margens do caminho os preconceitos e convenções sociais que, na caminhada da vida, como atrapalham os viajantes durante a jornada.

Ele morava no sítio "Pouso Alto", localizado na comunidade de Cipoal, no planalto santareno. 
Todos os dias Eymar descia a serra do Piquiatuba para vir resolver seus problemas particulares e conversar com os amigos. 
Em março de 2004, aos 83 anos, o destino pregou-lhe uma peça. Na vinda para a cidade uma motocicleta atravessou seu caminho. Atropela uma professora da comunidade do Tabocal, daquelas benquistas e que todo mundo conhece e admira, envolvida com a igreja, com as pastorais.

O acidente transformou sua vida. Deixou de dirigir, já não vinha todos os dias conversar com os amigos. Sua saúde foi baqueando aos poucos. 
Quando completou 89 anos, em 2010, subi a serra com o professor Nicolino Campos para visitar o amigo, 
O encontramos tomado banho e deitado em sua rede. Já era difícil conversar com ele, sua fala estava ficando incompreensível. 
Ofegante, respirando com dificuldades devido o pulmão avariado pela nicotina que absorveu por quase oitenta anos.

Foi hospitalizado. No dia 12 de abril de 2011 faleceu, pondo fim a uma vida que caminhava para seus 90 anos. 
Vida inteligente, útil, que marcou presença na literatura paraense com o livro “Tapajós que eu vi”, festejado por todos que tiveram acesso à sua leitura.

Foi sepultado no cemitério da comunidade de Cipoal, perto do "Pouso Alto". Uma cerimônia simples encerrou a passagem do amigo pela terra.

Quarta-feira passada, dia 22 de fevereiro, Cecília cumpriu um dos seus desejos, doar para o ICBS os livros da sua biblioteca.




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