No último dia 27 de abril, o Emanuel Júlio fez o lançamento no auditório da Associação Comercial e Empresarial de Santarém - ACES, do documentário "BR-163, a rodovia sem fim", onde mostra as dificuldades de quem se aventura a trafegar por ela, enfrentá-la no período chuvoso de todos os anos, como agora. Emanuel já trabalhou como secretário de turismo de Santarém, gosta do que faz e escreveu dois livros sobre esse assunto.
A intenção de ligar Cuiabá a Santarém surgiu pela primeira vez em 1819, quando o Brasil ainda era colônia de Portugal. Na época, já passava pela cabeça da classe empreendedora do Mato Grosso a ideia da construção de uma estrada de ferro ligando as duas regiões.
Por iniciativa do governo mato-grossense, foram iniciados os estudos preliminares para que fosse intensificado o comércio com o Pará através de Santarém.
Os anos passaram. Em 1851, o Barão de Melgaço, Presidente do Mato Grosso, informava ao Governo Imperial que a distância aproximada de Santarém a Cuiabá seria de 2.000 km.
Em 1895, a Comissão de Estudos do Plano Geral de Aviação do Brasil considerou a Estrada de Ferro Santarém-Cuiabá “de grande caráter comercial, político e estratégico, e a segunda grande linha de penetração do Brasil, depois da Estrada de Ferro Central”. Nesse mesmo ano foi aprovado o projeto que autorizava a construção da Estrada de Ferro Santarém-Cuiabá.
A estrada de ferro foi considerada "de grande caráter estratégico", mas o projeto não saiu do papel.
Somente em 1970 o Presidente Médice autorizou (novamente) a tão desejada (pelos mato-grossenses) ligação entre os dois estados. Só que no lugar de ferrovia, agora seria rodovia.
Em visita pelo Nordeste, o presidente se impressionou com a miséria característica daquela região seca que vivia mais uma estiagem e, em emocionado discurso pronunciado no dia 6 de junho de 1970, prometeu tomar urgentes providências para minorar o sofrimento dos nordestinos.
Nordestinos que no século passado, no ardor da 2ª Guerra Mundial, foram convocados por esse mesmo Governo Federal para produzir borracha na Amazônia e cumpriram bravamente com a missão.
Denominados de "Soldados da Borracha", foram abandonados à própria sorte após o término do conflito. Enquanto que a Amazônia ganhou o Banco da Borracha, atual Banco da Amazônia, e Santarém o Serviço Especial de Saúde Pública, hoje Hospital Municipal.
Dez dias após o discurso do presidente Médice no Nordeste, foi criado o Plano de Integração Nacional – PIN, com as seguintes diretrizes: abertura imediata das rodovias Transamazônica, ligando o Nordeste e a Belém-Brasília à Amazônia ocidental, Rondônia e Acre; e a Santarém-Cuiabá, ligando o Mato Grosso à Transamazônica e ao porto de Santarém, dando à região mato-grossense acesso ao Rio Amazonas.
Uma faixa de 10 km ao longo das duas rodovias foi reservada para contemplar o "Programa de Colonização e Reforma Agrária", que iria concretizar o projeto do governo militar com relação à Amazônia e sua baixa densidade geográfica, impresso nas famosas frases: "Integrar para não entregar"; “Terra sem homens, para homens sem terra”. Que podem ainda ser consideradas atuais, se o conceito de ocupação da Amazônia ainda for o mesmo dos colonizadores da década de 70 do século passado.
Se Barão de Melgaço, em 1851, via na estrada de ferro a saída econômica para desenvolver o seu Mato Grosso, em 1970 Médice visualizava com a rodovia a migração dos flagelados nordestinos para a Amazônia.
O PIN foi o principal programa a fomentar as políticas territoriais na Amazônia. Como o Presidente exigia pressa, tudo foi feito com a pressa exigida.
A estrada foi prometida a 6 de junho de 70 com o discurso no Nordeste, anunciada dez dias depois com a criação do PIN, iniciada a primeiro de setembro do mesmo ano e aberta ao tráfego em 1974.
Iniciada em setembro de 1970, representou uma epopéia na selva. Da luz da idéia ao ronco dos caminhões rodando na estrada passaram-se apenas 4 anos.
Mas sua inauguração oficial aconteceu somente em 1976, com a presença do presidente Geisel.
Era o Brasil dos militares, o Brasil dos “milagres”. Além da BR-163, nesse mesmo período, Santarém presenciou a construção do porto, novo aeroporto, cais de arrimo e a hidrelétrica de Curuá-Una.
A cidade viveu a época do pleno emprego, o que acontecia no resto do Brasil com relação ao cerceamento das garantias individuais do brasileiro, não interessava aos mocorongos.
Passada a ressaca da festa inaugural veio a dura realidade. Na mesma velocidade que chegou, ela foi embora. Em cinco anos perdemos a estrada.
Sem asfalto e sem manutenção adequada e suficiente para mantê-la trafegável, atoleiros e buracos se multiplicaram.
Do nosso lado, a BR 163 se transformou numa verdadeira pista de MotoCross, já não tinha mais nada de estrada para escoar produção.
Atualmente a rodovia está quase toda pavimentada no trecho dentro do território mato-grossense. Já no trecho paraense, aproximadamente 100km ainda precisam de pavimentação. Com mais de 1.700 km de extensão, a BR-163 corta a Amazônia ao meio, atravessando 71 municípios.
Pelo seu histórico, nota-se que ela é fruto da iniciativa de empresários e políticos mato-grossenses, agora impulsionada pelo agronegócio dos grãos.
Eles sabem que escoar a produção pelos portos de Santos e Paranaguá encarece em 50% o custo final da tonelada de soja.
Oitenta dólares saindo pela BR-163, cento e vinte por Santos e Paranaguá.
Com o que já gastou recuperando os estragos do inverno, tapando buracos e remendando ponte nesses 43 anos de vida da estrada, creio que daria para o governo ter construído e asfaltado uma nova BR-163.
À cada ano as construtoras ficam rezando para que as chuvas cheguem logo.
Nesse ambiente, a grande questão que vem sendo discutida é se é possível conciliar crescimento econômico com justiça social e uso sustentável dos recursos naturais sem agredir o meio ambiente.
Afinal, a estrada atravessa regiões variadas, passando do serrado a densas florestas, reservas indígenas e áreas de garimpo. Onde interesses conflitantes se entrechocam.
Em 1984, em entrevista ao jornalista Oscar Ramos Gaspar, do Jornal Correio Varzeagrandense de Mato Grosso, o coronel José Meirelles, construtor de toda a rodovia, declarou:
"É fácil fazer uma estrada, mesmo na selva, como foi a o caso da Cuiabá-Santarém. Isso não é nenhuma epopéia. Epopéia mesmo é fazer com que o poder público interiorize os seus mecanismos de assistência e promoção humana, de valorização do homem e da família. Isso é quase impossível..."
Sobre essa estrada, um bom livro para se ler é "Amazônia revelada - os descaminhos ao longa da BR-163."
O da biblioteca do ICBS vem com dedicatória do Maurício Torres, um dos autores do livro:
"Ao ICBS com muita gratidão pela constante ajuda em nossas pesquisas."
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