Belém e eu
Há 39 anos, num 12 de janeiro de 1979, quando Belém completava 318 anos, eu retornava em definitivo para Santarém.
Fui para a capital no final de 1968, na minha primeira viagem de avião. Avião da FAB - Força Aérea Brasileira, vôo particular para levar a seleção santarena que iria disputar o torneio final do campeonato de seleções do interior, famoso Intermunicipal, que revelou tantos bons jogadores para os grandes (naquela época) clubes profissionais da capital: Paysandu, Remo e Tuna.
Embarcamos no mesmo dia do jogo, que seria disputado a tarde, no campo do Remo. O avião atrasou na saída. O percurso que hoje é feito em uma hora pelos Boings, levava mais de duas naquele tempo dos Catalinas. Iríamos chegar em Belém atrasados para a partida contra a seleção de Castanhal.
Foi então que alguém, que não lembro o nome, pode ter sido o massagista Amazonas, teve a infeliz ideia de que, para ganhar tempo, deveríamos nos uniformizar no avião.
Do goleiro ao ponta esquerda, incluindo os reservas, fomos devidamente massageados com "óleo elétrico" que o Amazonas preparava.
Vestimos suporte, calção e camisa, calçamos meião e chuteira, ficamos prontos para o desembarque, já preparados para o pontapé inicial.
Quando o avião pousou em Val de Cans e a porta da aeronave foi aberta, saímos uniformizados desfilando pelos corredores do aeroporto.
A vestimenta, aliada ao barulho do troc-troc das chuteiras no piso espantava quem nos via passar. Ainda hoje acho graça quando recordo qui fiz parte dessa verdadeira cena de filme trapalhão.
Ainda no aeroporto recebemos a notícia de que o jogo tinha sido transferido para a noite. Seguimos de ônibus para o quartel da polícia na Assis de Vasconcelos, onde ficamos hospedados durante o torneio.
Inacinho fez o primeiro gol da partida, mas os castanhalense viraram o jogo. Sentimos os efeitos da viagem. Perdemos o Intermunicipal.
Acostumado com a Santarém pacata da minha juventude, a Belém que passei a conhecer a partir desse dia me impressionou: trânsito de muitos carros, mas ordeiro; a quantidade de bons cinemas; o comércio.
A beleza das ruas e avenidas, a começar pela principal, a Presidente Vargas, verdadeiro túnel verde formado por mangueiras plantadas nos dois lados da avenida, sem vendedores ambulantes e mendigos.
Prosseguia pela Nazaré, emendava com a Independência e terminava no belo Mercado de São Brás, construção histórica, concluído em 1911 ainda durante o ciclo da borracha. Tão abandonado hoje em dia.
Gostava de passear andando, a flanar pelas ruas arborizadas da cidade, sem medo de ser assaltado.
A João Alfredo, tradicional rua do comércio, era ponto de encontro nos dias de sábado, onde pontificava as Lojas Brasileiras, conhecidas como 4 e 400.
A rua se transformava em verdadeira passarela para a juventude desfilar e paquerar.
Após o Intermunicipal fui contratado pelo Paysandu e fui morar na concentração do clube, na Travessa Curuzu com a Av. Tito Franco, atual Almirante Barroso. Em 1970 abandonei o futebol e fui trabalhar na Petrobrás, passei a morar no Edifício Nassar, na travessa 1º de Março, em pleno comércio.
Cortava cabelo com o santareno Bibito, barbearia localizada na Rua 13 de Maio, quase esquina com a Presidente Vargas. Bibito era cunhado do seu Adalberto Gentil, tio do Ronaldo, conhecido nas peladas como Tamancão.
Com ele ficava sabendo das novidades de Santarém, novidades que ele colhia enquanto trabalhava com a tesoura. Bibito era o barbeiro preferido dos santarenos que moravam ou estavam de passagem por Belém.
Ao lado da barbearia existia uma loja de discos, onde escutei pela primeira vez o compacto simples "Apesar de você", de Chico Buarque de Holanda. Lançado em 1970, vendeu mais de 100 mil compactos em uma semana.
Um dia me encontro com o amigo João Sílvio, locutor da ZYR-9, Rádio Clube de Santarém, pioneira no interior da Amazônia, e dei-lhe de presente o disco do Chico.
"Apesar de você fez tremendo sucesso, mas quando Chico declarou que o "você" da letra se referia ao presidente Médici, a música foi censurada, voltando a ser gravada em disco somente em 1978.
Em outras ocasiões, quando me encontrava com João Sílvio, ele sempre lembrava que Santarém ouviu pela primeira vez "Apesar de você" no seu programa de rádio, logo após o compacto ser lançado no Rio de Janeiro. E agradecia o presente.
Tenho gratas lembranças de Belém, afinal foi onde vivi boa parte da minha alegre juventude e solidifiquei a vida familiar e profissional. Contudo, hoje está difícil de se viver na nossa capital. O trânsito é uma loucura, o medo de ser assaltado virou uma paranoia que contaminou a população.
Em 1979 retornei para Santarém. A cidade estava mudada, mas ainda guardava muito do tempo de quando saí em 1968. Como era de se esperar, passados 39 anos a cidade cresceu, nossos filhos não precisam mais sair para fazer curso superior fora de casa, melhorou o atendimento em saúde.
O crescimento trouxe consigo os problemas de toda cidade grande mal administrada, mal planejada.
Está seguindo o mesmo caminho da capital, que na década de 1960 tinha uma população de um pouco mais de 400 mil habitantes.
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