Banheiros na praia - 09.08.2019


Banheiros na praia

Os costumes variam de acordo com as sociedades, culturas e o tempo. 
Eles, os costumes, fazem parte da História. Evoluem, são substituídos, somem, sempre levados pelas circunstâncias que os criam e desaparecem com eles. Circunstâncias econômicas, religiosas, políticas, ambientais, sociais...

Alguns costumes santarenos do início do século XX, quando relembrados agora, como fez o amigo Fabiano Carneiro no face, trazem perplexidade aos santarenos de hoje, pelo absurdo que aparentam ser ao alvorecer do século XXI.

Fabiano postou parte de uma fotografia da década de 1930, que retrata a orla da cidade. Realçando a praia em frente a Av. Adriano Pimentel, com o Grupo Escolar Frei Ambrósio no topo do morro da Fortaleza, ao fundo. 
Na praia aparecem três casinhas, que serviam de banheiro, causando espanto em alguns que viram a postagem e não conheciam esse costume que desapareceu, arrastado pelo crescimento da cidade.

Naquela época, os santarenos não usufruíam de água encanada nas residências. Como ainda hoje acontece em alguns bairros periféricos da cidade. 
Para o consumo básico de água nas residências, as famílias eram abastecidas por carregadores que cobravam pelo serviço, enchendo os camburões onde as donas de casa armazenavam a água que era transportada do Rio Tapajós.

O conhecido e saudoso Ismaelino Castro, popular juiz de futebol Arara, foi um deles. Relembra no seu livro de memórias, o que fazia para ganhar a vida na Santarém antiga, carregando água para poder sobreviver com a mãe.

Com relação aos banheiros na praia, somente os mais abastados construíam os seus, próximo das suas residências.

No livro "Isoca, idílio do infinito", editado pelo ICBS em 2.012, o maestro informa que esses banheiros eram mais ou menos de 2m de comprimento por 1,20 de largura. Tinham duas portas, uma na frente e outra nos fundos. 
Dentro existia uma cuia e um cabide para o dono trocar de roupa e ir tomar banho no rio.

Para os que não queriam tomar banho dentro do rio, tinha uma abertura quadrada, no centro do banheiro, e o usuário tomava o tradicional "banho de cuia". Que ainda hoje é praticado pelos ribeirinhos da região.

Termo que acabou virando referência para um drible no futebol. Jogada que desmoralizava o adversário, com a bola passando por cima da sua cabeça, sendo apanhada do outro lado pelo driblador. Como a água da cuia jogada sobre a cabeça do banhista.

Drible que os radialistas e comentaristas de futebol passaram a denominar de "chapéu". Pergunte ao seu neto, jovem peladeiro de hoje, se já deu um "banho de cuia", que ele não irá saber do que o avô está falando.

Os banheiros eram construídos sobre quatro rodas. Conforme o Tapajós ia subindo ou descendo, o banheiro tinha que ser empurrado para perto do rio.
Segundo o maestro Isoca, geralmente era a garotada que passava o dia tomando banho no Tapajós que fazia o serviço. Serviço que era tratado pela turma como brincadeira. Brincadeira que exigia esforço e transpiração.

Até que "empurrar banheiro" acabou virando entre os rapazes uma expressão de chacota. 
É que durante os bailes na cidade, quando um deles tirava uma moça pra dançar e ela, mesmo não sabendo, aceitava o convite, no final o dançarino comentava com os amigos:
- Parece que eu estava a "empurrar um banheiro".

Outro detalhe, é que não era costume o dono emprestar seu banheiro para os vizinhos. A não ser aos mais chegados. 
Por exemplo, a família do seu Isoca não tinha banheiro, quando queriam tomar banho iam ao vizinho pedir emprestado a chave - os banheiros tinham chave. 
Recebiam a chave e uma recomendação: 
- Não demorem. Daqui a meia hora iremos precisar do banheiro.

Como Santarém mudou! 
O filósofo Heráclito já dizia que na vida a única coisa permanente é a mudança.

Nasci em 1948. Quando me entendi já tínhamos água encanada em casa.




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