Peladeiro nota 10
Abelardo do Couto Rocha desencarnou deixando saudades aos seus amigos.
Paraense da capital, chegou em Santarém em junho de 1979, veio gerenciar a Companhia de Saneamento do Pará - Cosanpa. Nesse mesmo ano eu tinha retornado de Belém para Santarém, em janeiro.
O conheci jogando bola, quando saí da pelada do Urumari dos Moraes e fui brincar no campo do Hilarinho, isso em 1981. Abelardo estava em companhia do Wsnand, também funcionário da Cosanpa.
Devido a desentendimento no campo do Hilarinho, Abelardo e Wsnand resolveram construir na área da Cosanpa, no Irurá, um campo de futebol para o lazer dos funcionários da empresa.
Campo concluído, Abelardo efetivou um acordo com os funcionários com relação ao uso do patrimônio, ficando o sábado a tarde destinado para a pelada que iria formar congregando os amigos extra companhia, e assim nascia o clube denominado "Peladeiros da Cosanpa".
Da turma congregada pelo Abelardo, lembro do Everaldo do Basa, Silva da Telepará, Cézar do DER, Carlito do Banpará, Andrade piloto, Brilhantina da polícia federal, Iça dentista, Ademir do Bradesco, Fabiano e Wilson comandantes da PM, Bibal, Ivanilson, Fernando da Uberaba, João PT, João David, Mário Nazareno, Merabet, Eduardo, Zé Ricardo, Álvaro médico, Edney do DER, Celso Lima, Renato Marinho, Emanuel Campeão, Miled médico, Wilson da Agrowilson, dentre outros que faziam a alegria do nosso sábado no "Peladeiros da Cosanpa".
Brincadeira bem organizada por uma comissão composta por cinco peladeiros. O bar ficava sob os cuidados do seu Flávio, que controlava a venda de bebida e recebia a carne que os três peladeiros responsáveis pelo tira-gosto traziam à cada sábado.
A relação dos responsáveis pela carne indicava a quantidade: 5 quilos para cada, e a espécie: alcatra ou bisteca.
Quem falhasse sem comunicar com antecedência era punido pela comissão.
Em 1983 foi editada a "Coletânea de Regulamentos da Pelada", que orientava nossa conduta dentro do recinto, em qualquer circunstância, antes e depois do futebol, com seu "código peladeiro disciplinar".
Um sábado, o Abelardo, num momento de completo e raro descontrole emocional que nos deixou perplexos, provocou um episódio desagradável motivado por uma simples substituição de um peladeiro antigo para a entrada de um convidado, no segundo tempo.
Por ser contra a substituição, houve discussão acirrada e, nesse momento, fez valer a sua autoridade como chefe da comissão organizadora e diretor da Cosanpa, para acabar com a pelada prometendo fechar o portão de entrada em definitivo, acabando de vez com o "Peladeiros da Cosanpa".
No outro dia, cabeça fria, Abelardo escreveu um pedido de desculpas e enviou aos peladeiros, estava arrependido pelo erro que tinha cometido, e o arrependimento sincero é uma das virtudes dos mortais.
"Tamanha foi a agressão sofrida por vós, quase do tamanho da nossa inabalável amizade.
Quero nesse momento de reflexão, pedir-lhes desculpas pelo ato impensado ocasionado por uma fraqueza que perambula no mais humilde e calmo dos homens.
Sabemos perfeitamente da grandeza de vossas almas e da compreensão de que são portadores, saberão julgar aquele que tem a coragem e honestidade de confessar os seus erros.
Enquanto aqui permanecer frente aos destinos desta grandiosa empresa, que é a Cosanpa, tenham a certeza de que todos nós seremos iguais, independente de classe, de cor ou de credo, e seremos responsáveis pela manutenção e preservação de nosso companheirismo e daquilo que nos proporciona o suor e a valentia das nossas peladas de fim de semana.
Para finalizar, espero que os senhores não estejam ao meu lado, o que desejo ardentemente é que eu me encontre ao lado de vocês."
De corpo inteiro e alma pura, Abelardo se apresenta nesse pedido de desculpas pelo ato impensado.
Com o passar do tempo resolvemos adquirir um terreno e construir nosso próprio campo de pelada. Em 1995, Abelardo chegou a participar, em companhia do Wsnand, da reunião no Brasil Grande Hotel que estabeleceu a criação do que no futuro seria o atual Campo Novo, inaugurado em 2004, quando aconteceu a primeira pelada no dia dez de janeiro.
No início do século Abelardo, já aposentado, retornou para residir em Belém, em 2002 o "Peladeiros da Cosanpa" foi extinto.
Com o fim da pelada na Cosanpa, enquanto se construía o espaço Campo Novo, passamos a brincar no Iate Clube e na Polícia Militar, onde no dia 04 de janeiro de 2003 recebemos a visita do amigo Abelardo, que aos 60 anos, em pleno vigor da vida, pela última vez em Santarém participava da nossa brincadeira dentro e fora de campo.
Pelos campos de pelada da capital Abelardo continuou a ser o peladeiro que era. Frequentava academia e participava do Campeonato de Futebol Master na Tuna Lusa, seu time do coração, do qual era associado.
No dia quatro de novembro passado completou 78 anos.
Em dezembro foi homenageado pela Tuna pela sua participação no Campeonato de Futebol Master/2020.
No último 31 de janeiro Abelardo foi abatido em pleno voo pelo covid19.
Maktub!
Devemos nos resignar diante dos desígnios da vida.
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