O eterno namorado da Pérola do Tapajós
Vivo fosse, o poeta Emir Bemerguy estaria festejando - mesmo agora em época de pandemia - ao lado da família e seus poucos amigos ainda ativos, seus 88 anos.
Passei a conhecer melhor o Emir quando retornei de Belém no início de 1979. Participei de um cursilho de cristandade em Emaús, ele foi um dos palestrantes.
No dia 26 de maio desse mesmo ano a TV Tapajós foi inaugurada. No início, aos domingos pela manhã acontecia a celebração da Santa Missa, ele foi convidado pelo deputado Ubaldo Corrêa para participar das liturgias como comentarista.
A inauguração da Televisão ocorreu num sábado. No domingo, 27 de maio, acontecia a primeira missa na TV Tapajós que Emir assim descreveu no seu livro editado pelo ICBS em 2000, "Diário de um convertido":
Frei Ricardo Duffy, Irmãs Lina e Mônica, o noviço franciscano Tancredo, Cristovam Sena e eu constituímos a equipe estreante, a primeira que ingressava nos sofisticados estúdios da moderníssima estação, após o festivo ato inaugural... Obrigado, Senhor! Que essa abertura dos programas rotineiros com a Santa Missa haja atraído tuas bênçãos sobre esse arrojado empreendimento!
A partir daí nossos encontros e conversas ficaram mais frequentes. Passei a acompanhá-lo como poeta e articulista nos jornais de Santarém e no O Liberal de Belém. Guardo no ICBS uma pasta com boa parte dos seus escritos, inclusive o que deu origem à polêmica que travou com o articulista do O Liberal, João Malato, intitulado Semeando ventos..., de 25/06/1978.
Quando em 1988 idealizei o Projeto Memória Santarena, com o objetivo de consolidar a memória da cidade e partir para a construção da sua história oral, foi nele que pensei para participar como entrevistador dos personagens selecionados. Emir efetivou comigo onze entrevistas: mecânico Zeca BBC, músico Wilson Fonseca, médico Aloísio Melo, professora Sófia Imbiriba, artesã Dica Frazão, maestro Wilde Fonseca, pescador Alberto Dizencourt e os políticos Ubaldo Corrêa, César Sarmento e Edson Serique. É, até hoje, o maior colaborador do Projeto Memória Santarena.
Quando chegou a vez de Emir ser o entrevistado, preferi eu mesmo ser o entrevistador. No dia 25 de novembro de 1992, ele prestou seu depoimento e, como bom memorialista, teve o cuidado de preparar seu gravador e registrar tudo em fita cassete, devidamente guardadas em valioso arquivo que organizou em sua casa.
Falou de tudo um pouco: Família, odontologia, religião, amizades, magistério, política, fé, pescaria... De bom humor, se divertiu durante a entrevista, mas aparentava preocupação com o tempo, pois falava e olhava para o relógio, deixando a impressão que precisava sair para participar de outra atividade com hora marcada.
Em 1976, em versos, Emir já falava desse seu hábito de fiscalizar o relógio a todo instante:
Às carreiras eu passo pela vida ...
Meu relógio consulto a todo instante...
Sou afobado, elétrico nervoso:
Tudo o que faço é sempre galopante...
Fã ardoroso do maestro Isoca e o do historiador Paulo Rodrigues dos Santos, com os dois amigos Emir produziu extensa obra literária e musical. Com o maestro possui em parceria mais de 600 composições, com o historiador, que Emir considerava um dos quatro maiores poetas de Santarém, ao lado de Felisbelo Jaguar Sussuarana, Padre Manoel Albuquerque e Silvério Sirotheau Corrêa, conseguiu os originais do seu livro Tupaiulândia para que suas páginas fossem datilografadas e preparadas para impressão.
Depois de intensa luta através da imprensa, Emir conseguiu sensibilizar o Governador Fernando Guilhon que autorizou a edição do livro. Em agosto de 1971 acontecia o lançamento da primeira edição de Tupaiulândia, em dois volumes. Em 1974, ainda no governo Fernando Guilhon, saiu a segunda edição. Em 1999 o ICBS protagonizou sua terceira edição e, em parceria com Imprensa Oficial do Estado, editamos a quarta edição, em 2019.
Emir mantinha guardadas as duas pastas contendo os originais de Tupaiulândia, presente do velho amigo Paulo Rodrigues dos Santos. Durante o depoimento que prestou para o Projeto Memória Santarena, Emir afirmou que não sabia qual seria a destinação final das duas pastas que ele preservava com carinho em seu arquivo. Referindo-se ainda aos originais ele disse: "Eu acho que dentro de tudo que eu tenho de histórico, nada para mim tem o valor dos originais de Tupaiulândia".
Pois um dia, por ocasião do vernissage de uma tela do Elias do Rosário realizado no ICBS, em que ele foi o mestre de cerimônia, Emir nos surpreendeu ao presentear-me as duas pastas contendo os originais de Tupaiulândia. Na primeira estava a dedicatória:
"Para a Posteridade: - No dia 21 de maio de 1993, ofertei estes Originais de Tupaiulândia ao meu grande amigo Cristovam Sena, como reconhecimento e estimulo a seu preciosíssimo trabalho de preservação da memória santarena. Sabe Deus quanto me custa alienar a mais valiosa relíquia de meu arquivo. Consola-me a certeza de que ela fica em mãos abençoadas. Emir Bemerguy".
Através do ICBS editamos três livros do Emir Bemerguy: Diário de um convertido (2000); Santarém momentos poéticos (2007); e Santarenices, coisas de Santarém (2010). Antes já tinha sido publicado Aquarela Mocoronga (1984), edição patrocinada pelo seu amigo empresário André Teixeira, e Antologia dos poetas Santarenos (1998), livro organizado por ele.
Duas obras póstumas já foram editadas pela sua família: Maromba, romance regionalista (2013) e Enquanto eu me lembro, livro memorialístico (2014). Em seus arquivos ainda existe material para a edição de um bom número de livros.
Em 2013 transcrevemos a entrevista que fiz com ele em 1992 e editamos pelo ICBS o livro intitulado: "Emir: pescador de almas e tucunarés", 4º volume do Projeto Memória Santarena.
A produção literária do poeta Emir em homenagem a Santarém, é vasta. Nascido em Fordlândia, devido esse amor à sua terra adotiva, ficou conhecido como o "Eterno namorado da Pérola do Tapajós".
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