quinta-feira, 18 de abril de 2024

Lembranças de um obidense - 29.07.2017


A invenção do rádio é atribuída ao italiano Guglielmo Marconi (1874/1937). Novidade que chegou ao Brasil em 1922. No dia 7 de setembro acontecia a primeira transmissão radiofônica, por ocasião do centenário da Independência. O presidente Epitácio Pessoa falou nessa ocasião, seu discurso foi transmitido por meio de uma antena instalada no morro do Corcovado e alcançou receptores em Niterói, Petrópolis e São Paulo. 

Nascia ali o rádio brasileiro com a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, fundada por Edgar Roquette-Pinto (1884/1954).

No Pará a pioneira foi a Rádio Clube do Pará, inaugurada no dia 22 de abril de 1928 com o prefixo ZYI-532. 
Em 24 de outubro de 1948 foi a vez de Santarém, com a Rádio Clube de Santarém (ZYR-9), sob o comando de Jônatas de Almeida e Silva.

Minhas lembranças do rádio vem de 1958 - eu com dez anos - por ocasião da transmissão da Copa do Mundo na Suécia, pela Bandeirantes, na voz de Pedro Luiz e Edson Leite. 
Não tínhamos rádio em casa. Íamos escutar as partidas no rádio do seu Adalberto Gentil, pai do Ronaldo e da Oraida. Éramos vizinhos no Morro da Fortaleza, morávamos em frente ao Grupo Escolar Frei Ambrósio. 
Seu Adalberto era radiotelegrafista dos Correios e da Cruzeiro do Sul. Ele adquiria as peças e montava o rádio na sua oficina.

As transmissões dos jogos da Copa de 58 não tinham a nitidez de hoje. Lógico! 
A voz do Pedro Luiz em certos momentos ia sumindo, mas a emoção dos gols narrados por ele fazia o Brasil inteiro vibrar e, no final, o povo saiu às ruas para comemorar o primeiro título mundial do Brasil, vitória de 5x2 sobre a Suécia. 
Em Santarém, após o apito final, não houve grandes comemorações, mas não tenho como esquecer esse dia.

No começo os rádios eram grandes e acionados por pesadas baterias. Com o tempo eles foram diminuindo de tamanho e as baterias foram substituídas por pilhas. Com elas, foi possível o rádio penetrar pelo interior do Brasil levando informação a uma enorme população que vivia isolada, sem tomar conhecimento do que acontecia ao seu redor e no mundo.

José Cornélio nasceu em Óbidos e escreveu o livro "Lembranças de um obidense" que foi prefaciado pelo também obidense, amigo advogado Célio Simões de Sousa. Livro editado em 1994, que adquiri no sebo Cultura Usada, em Belém, com dedicatória do Cornélio para o alenquerense Benedito Monteiro, com data de 28.06.95.

Faço referência ao livro do Cornélio porque, como comerciante que era, numa de suas crônicas ele narra como conseguiu divulgar e ganhar dinheiro com a novidade do rádio a pilha na sua terra natal.

Ele conta: "A mudança de ramo de mercearia para bar me foi sugerida por um gerente de banco quando me criticou por estar “vendendo livro em terra de analfabeto”. A venda de “Aladim” me foi proposta por um bêbado, isto após ter-me cuspido todo. E a venda do rádio a pilha me foi sugerida por um farmacêutico que, inclusive, me forneceu o endereço do fabricante. 
É sempre bom lembrar, que estes fatos aconteceram em uma cidade pequena, as margens do Rio Amazonas, encravada em plena Amazônia, onde tudo era difícil e distante, onde não havia na época o progresso que hoje temos em termos de telecomunicações, antenas parabólicas, etc."

E prossegue: "De posse do endereço do fabricante, escrevo diretamente para a fábrica e eles remeteram-me, via aérea, um rádio a pilha, como amostra, que inclusive já chegou com as pilhas. 
Recebido o rádio, imediatamente liguei-o e, lembro-me bem, estava no horário de notícias que eu as ouvia com bastante clareza, som limpo, sem interferência que comprometesse a audição, especialmente naquele horário, por volta de 10:00 horas da manhã.

Faltava agora montar uma estratégia de venda para os rádios e, para tanto, escolhi o gerente do único banco da cidade que, além de ser um cliente em potencial, era acima de tudo, um fanático por rádio. 
Eu sabia que o gerente tinha um rádio enorme, e que funcionava a bateria, destas que se usa em automóveis, e também que ele ouvia rádio durante a noite, até porque, era o melhor horário de se ouvir. 
Ele já tinha contratado um funcionários para todo o dia, pela manhã, levar a bateria até a usina de luz para recarregar, o que ele invariavelmente fazia, carregando nos ombros a pesada bateria, de domingo a domingo.

Fui ao banco pela manhã, e pedi-lhe que fosse imediatamente até minha loja que eu tinha uma novidade pra ele. Quis logo saber do que se tratava, pois estava muito ocupado. Resisti, mas respondi que aguardava ele se desocupar, e sai para minha loja.

A curiosidade foi tanta, que ele em poucos minutos se desocupou no banco e logo adentrava na loja. Quando mostrei-lhe o rádio que acabara de receber, ele não gostou e foi logo dizendo que se soubesse que aquela era a surpresa, não teria deixado o seu local de trabalho, e que já possuía 03 rádios a bateria e um rádio elétrico e não estava interessado em mais nenhum.

Pedi calma, e disse-lhe que aquele rádio era diferente e solicitei que ele mesmo o ligasse. Olhou, olhou, examinou pela frente, por trás, por baixo, por todos os lados e não encontrou o que procurava, ou seja, o cabo para ligar nos pólos da bateria e muito menos achou o fio elétrico com a tomada.

Recusou-se a ligar, desconfiando de alguma brincadeira minha. Depois de muita insistência, ele ainda desconfiado, ligou o rádio e aumentou o volume. Estava no noticiário esportivo, outra grande paixão dele. 
Passada a surpresa, quis saber como funcionava, quando então lhe disse que funcionava a pilha, mostrando-lhe o local onde elas ficavam, discretamente posicionadas. Empolgado disse: “o rádio é meu, vou mandar buscar”, e saiu contando a novidade para todos, que era exatamente o que eu queria.

Pouco tempo depois chegava à loja o funcionário do gerente, homem negro e forte, que era encarregado de levar as baterias, todo dia, para recarregar na usina de luz. Trazia nas mãos duas garrafas de whisky, presente do gerente para mim e disse-me que ali estava para receber uma encomenda do seu patrão. 
Quando viu que era um rádio ele exclamou: “Droga! mais um rádio para me dar trabalho”. Colocou no ombro a caixa de papelão com o rádio dentro, saiu da loja com ordens expressas do gerente para que ninguém abrisse a caixa até ele chegar do banco, com outros amigos.

Fizeram uma mini-farra para inaugurar o rádio a pilha, a maior novidade na cidade. No dia seguinte, o gerente foi pagar o rádio e fez uma encomenda de mais três. 
Eu não cobrei o rádio, dizendo que era um presente que eu lhe dava, até porque, a fabrica havia mandado aquele como cortesia. 
Comentamos sobre a parte comercial da novidade e eu então lhe disse que a fabrica só vendia, no mínimo, 50 rádios e eu não tinha condições financeiras para comprar aquela quantidade mínima. De imediato disse: “pode mandar buscar os 50 rádios que eu garanto e se você quiser eu dou o dinheiro agora”.

Combinamos tudo e eu mandei buscar os 50 rádios que a fabrica fatiou, para pagamento em 60/90/120/150/180 e 210 dias, isto é, vendeu-me fiado para pagar em 07 meses a preço fixo. Que saudade!!!

Não foi necessário usar o dinheiro do banco, mas o gerente era o meu maior “garoto propaganda”. Era quem garantia aos mais céticos, que o rádio prestava, era bom e funcionava bem. 
Acredito ter vendido para Óbidos e outras cidades da região, mais de 1000 (hum mil) rádios a pilha. O farmacêutico, que havia me dado a dica, comprou o seu pelo preço de custo. Muito justo não acham?"




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